MUJERES, DOBLE JORNADA LABORAL Y PSICOLOGÍA: UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA
Eliana P. G de Moura
Universidade Feevale. Porto Alegre-Brasil
Jaqueline Michaelsen Macedo
Universidade Feevale. Novo Hamburgo
Resumen
Aborda el doble viaje de las mujeres en el mercado laboral y analiza cómo se ha presentado el tema en la literatura científica del área de psicología brasileña. Se desarrolló una investigación exploratoria y descriptiva de enfoque cualitativo en bases de datos de artículos científicos publicados de 2013 a 2019. Los criterios de inclusión utilizados fueron: textos completos que se presentaron en el título de referencia directa al tema, disponible en portugués cuya investigación se refirió a la realidad brasileña. El material se analizó de acuerdo con cinco categorías de análisis, a saber: área de conocimiento; objetivos de investigación, año de publicación, tipo de investigación y conclusiones principales. Los resultados muestran que las mujeres han logrado importantes ganancias, pero aún deben garantizar el acceso a la educación, la cultura y la igualdad de oportunidades en el mercado laboral. Defiende que la psicología ocupa el debate sobre la desigualdad de género como un acto político de reformulación de las realidades aún conservadoras.
Palabras clave: Mujeres, Doble jornada laboral, Revisión bibliográfica, Psicología.
Abstract
It addresses the double journey of women in the labor market and analyzed how the theme has been presented in the scientific literature of the Brazilian psychology area. An exploratory and descriptive research of qualitative approach was developed in databases of scientific articles published from 2013 to 2019. The inclusion criteria used were: full texts that presented in the title direct reference to the theme, available in Portuguese whose research referred to the Brazilian reality. The material was analyzed according to five categories of analysis namely: knowledge area; research objectives, year of publication, type of research and main conclusions. The results show that women have made important gains, but still need to ensure access to education, culture and equal opportunities in the labor market. It defends that Psychology occupies the debate about gender inequality as a political act of reformulation of still conservative realities.
Key-words: Women, Double working hours, Bibliographic review. Psychology.
Introdução
A partir de nossa experiência profissional, como psicólogas em uma empresa de recrutamento e seleção de pessoal, temos observado importantes diferenças entre candidatos homens e mulheres no modo como se comportam no processo de seleção. Especialmente, nos chama a atenção quando, em situações de entrevista, em geral, os homens fazem pouca ou quase nenhuma referência a sua vida familiar, ao cuidado dos filhos e às tarefas domésticas. As mulheres, ao contrário, invariavelmente, fazem questão de esclarecer como conciliam carreira profissional, vida familiar e tarefas domésticas, alegando que desde tenra idade vêm sendo preparadas para o exercício dessas tarefas, reconhecendo-as como dimensões intrínsecas da condição feminina.
Com efeito, mesmo nos dias atuais, parece ainda persistir entre muitas mulheres uma visão “naturalizada” sobre sua condição na sociedade, tomando a preparação exclusivamente de mulheres para a vida doméstica como um destino inexorável.
Ainda que a ascensão das mulheres ao mercado de trabalho tenha promovido profundas transformações na sociedade, as estatísticas demonstram que no Brasil, a jornada semanal de trabalho das mulheres ainda é maior do que a dos homens, impactando consideravelmente no perfil das famílias e instaurando novas dinâmicas familiares.
A apesar da sua crescente presença no universo do trabalho, culturalmente, as mulheres ainda costumam aceitar com naturalidade a exclusiva responsabilidade pela realização de tarefas domésticas e de cuidado de crianças. Com efeito, a mulher busca equilibrar-se no desempenho de várias funções, não raro, gerando conflitos entre trabalho e família. Mesmo mulheres consideradas bem sucedidas no trabalho, no âmbito doméstico, tendem a continuar aceitando a responsabilidade por essas tarefas assumindo uma sobrecarga de trabalho, muitas vezes, aderindo a justificativas socialmente construídas que as mantêm na invisibilidade da não remuneração do trabalho doméstico.
A abertura do mercado de trabalho para as mulheres trouxe evidentes vantagens econômicas para as sociedades. Mas, no âmbito familiar, impôs dificuldades às mulheres na medida em que agregou mais trabalho à rotina das tarefas domésticas, do cuidado dos filhos e do marido. Não obstante, a imersão das mulheres no mercado do trabalho também favoreceu sua tomada de consciência a respeito das condições sociais de desigualdade de gênero às quais estão inseridas e das possibilidades de superação dessa condição.
Ao longo do processo histórico, as mulheres foram desenvolvendo uma compreensão mais ampla sobre seu papel na sociedade e na própria família. Refletindo sobre o que podem esperar da vida conjugal e pessoal, problematizaram sua invisibilidade e a falta de reconhecimento de seu importante papel no mercado de trabalho.
Nesse sentido, movidas pelo interesse em compreender a diferença observada entre candidatos homens e mulheres em nossa atuação profissional como psicólogas, levantamos a seguinte questão norteadora: como o tema vem sendo apresentado na literatura científica da área da psicologia? Por meio de uma revisão bibliográfica, detectamos uma ausência de material oriundo desse campo de estudos. Considerando a inegável diversidade temática que caracteriza a área de conhecimento, aliado ao fato da Psicologia ser uma categoria majoritariamente feminina, espantou-nos verificar a escassez de estudos acerca das desigualdades de gênero e, em especial, sobre a invisibilidade do trabalho doméstico.
Desse modo, este artigo pretende problematizar o espaço ocupado pela temática relativa ao trabalho feminino no mercado de trabalho, discutido sob o viés da invisibilidade do trabalho doméstico e da dupla jornada de trabalho no campo da Psicologia. Apresenta um estudo exploratório e descritivo de abordagem qualitativa, cujo objetivo foi analisar como esse tema vem sendo apresentado na literatura científica brasileira, especialmente na área do conhecimento da Psicologia. Considerando as diversas formas de desigualdade (raça, classe e gênero, por exemplo), que compõem a sociedade brasileira, cabe questionar a ausência de estudos oriundos da área de conhecimento da Psicologia que se dediquem à temática das desigualdades de gênero.
Mulheres e mercado de trabalho
Historicamente, o papel da mulher nas sociedades ocidentais restringiu-se a três funções: ser esposa, dona de casa e mãe, tendo como principal responsabilidade a dedicação ao marido, que significava cuidar integralmente de suas roupas, sua comida, seu bem-estar. Em segundo lugar, estava o cuidado com a casa, que significava afazeres domésticos, e a preparação para ser mãe ou o cuidado e a educação dos filhos.
Nesse contexto histórico e social, o sustento material das mulheres cabia aos homens (pai ou marido) sendo que, se por algum motivo, uma mulher precisasse exercer uma atividade remunerada tornava-se malvista e desvalorizada (Probst, Ramos, 2013; Lauschner, Cavalcante, Torres, 2012). Com efeito, apenas dois papéis sociais eram reservados às mulheres: dona de casa ou prostituta. As mulheres eram privadas de vida social e sexual, sendo que qualquer transgressão a essa lógica, era condenada pela sociedade, obrigando muitas mulheres a saírem de casa e se prostituir. A posição social reservada às mulheres, implicava a sua submissão a autoridade masculina porque considerava as mulheres incapazes de qualquer tipo de autoridade e, portanto, não podiam ser responsáveis nem por si mesmas.
No início do século xx, quando as duas grandes guerras mundiais eclodiram e os homens foram chamados aos campos de batalha, os postos de trabalho passaram a ser ocupados por mulheres porque a economia precisava ser movimentada. Mesmo assim, apesar de remunerado o trabalho das mulheres foi pouco valorizado e, quando a guerra teve fim, elas voltaram a sofrer a pressão social, agora, para voltarem ao cumprimento de seu tradicional papel como esposa, dona de casa e mãe. (Probst, Ramos, 2013).
Com efeito, parece que a histórica idealização dos papéis de mãe, esposa e dona de casa, logrou condenar as mulheres à invisibilidade dos afazeres domésticos e cuidados dos filhos. Segundo Gelinski e Pereira (2005), essa invisibilidade se explica porque historicamente as teorias econômicas convencionais não consideravam o trabalho doméstico e de cuidado, por entenderem que essas tarefas não estavam orientadas para o mercado.
Contudo, ao longo desse período histórico, as lutas feministas também foram tomando força. Em vários países, as mulheres souberam se organizar em frentes de luta por direitos igualitários e oportunidades para desenvolver suas capacidades. Aos poucos, diferentes direitos foram sendo conquistados, como resultado de muito esforço empreendido pelas mulheres que não desistiram, se organizaram e souberam lutar contra as desigualdades de gênero.
No Brasil, as mulheres também conquistaram alguns direitos através de muitas lutas, mantendo-se organizadas na busca de maior igualdade entre gêneros. De acordo com Boreli e Matos (2013), no Brasil a legislação que regulamenta o trabalho feminino foi implantada aos poucos no decorrer dos anos e de forma limitada, começando em 1910 em São Paulo. Porém, somente em 1943, as mulheres brasileiras conquistaram o direito de trabalhar sem a autorização do marido, e, apenas em 1965, foi retirado do Código Civil o direito do marido de impedir que sua esposa trabalhe fora do domicílio.
Apesar dessas conquistas, a sociedade brasileira se caracteriza pela desigualdade de gênero, expressa pela lógica que atribui a responsabilidade pela educação e cuidado dos filhos exclusivamente às mulheres, bem como a realização de afazeres domésticos não remunerados. Tratando-se de um fenômeno social invisível, a realização de afazeres domésticos não remunerados, atrelado à condição feminina, configura a chamada “dupla jornada” de trabalho que pode ser definida como o resultado da sobreposição do trabalho remunerado com os afazeres domésticos e cuidados dos filhos.
Para Ceribeli e Silva (2017), trata-se de um mecanismo de dominação social, visto que à mulher ainda se atribui a responsabilidade por toda a organização e manutenção moral do espaço doméstico. Assim, a mulher mantém-se inserida no processo de produção material da sociedade, ainda que de forma invisível e desvalorizada.
Neste contexto, a discussão acerca de sua efetiva inserção da mulher no mundo do trabalho e da persistência da discriminação sexista, ganha importância na medida em que, historicamente, as mulheres ocupam posição subalterna aos homens no mercado de trabalho. Os dados demonstram que, mesmo com a existência de alguns avanços, a força de trabalho feminino segue desvalorizada em relação ao trabalho masculino. Trata-se de um mecanismo que boicota o processo de emancipação da mulher, preservando o sistema de subordinação feminino, tanto no âmbito do mundo do trabalho quanto no espaço.
Em estudo desenvolvido sobre as desigualdades entre a mão-de-obra feminina e masculina, Souza (2017) descreveu a dinâmica social que subordina as mulheres trabalhadoras, apontando as assimetrias de poder nas relações de gênero. Dentre as principais conclusões, o referido estudo aponta que essas assimetrias constituem um dos principais eixos da desigualdade social, e que constituem as raízes históricas das dimensões materiais e simbólicas que sustentam a lógica da divisão sexual do trabalho. De acordo com o referido autor, esse mecanismo de separação alimenta a construção do discurso e do imaginário social que naturaliza a assimetria nas relações de gênero e na divisão sexual do trabalho. Desse modo, o significado socialmente estabelecido e a separação entre “mercado de trabalho” e “lar” tornam-se inquestionáveis.
Assim naturalizada, a assimetria nas relações de gênero e na divisão sexual do trabalho incorpora-se aos valores, a cultura e aos paradigmas da sociedade incidindo sobre as organizações empresariais, as quais por sua vez, retroalimentam uma história marcada pela condição de submissão e inferioridade da mulher em relação aos homens.
No Brasil, o movimento feminista tomou força por volta da década de 1970, impulsionando importantes mudanças no que tange a condição das mulheres. Surgido com força principalmente nas grandes cidades brasileira, o movimento feminista brasileiro surgiu como consequência da resistência das mulheres à ditadura militar e sob o impacto do debate no cenário internacional impulsionando pelos movimentos feministas europeu e norte-americano que culminou na declaração do ano internacional da mulher, pela ONU, em 1975. Em um cenário internacional de contestação das relações de poder que naturalizavam a desigualdade de gêneros em todos os âmbitos da sociedade, o movimento feminista brasileiro deu visibilidade à questão da mulher (Sarti, 2004).
Emergido nas camadas médias da população brasileira, inicialmente, o movimento feminista, foi visto pejorativamente como um “movimento de mulheres”. No entanto, através de uma articulação com as mulheres pertencentes às camadas mais populares e suas organizações de bairro, o movimento se expandiu e se organizou-se em torno de reinvindicações mais amplas. Segundo Sarti (2004), no Brasil, “os grupos feministas tornaram as demandas femininas das organizações de bairro próprias do movimento geral das mulheres brasileiras.” (pp. 31-32).
Ao longo da década de 1970, dentro do movimento geral das mulheres brasileiras, emergiram duas correntes feministas que se complementavam em termos de organização política. Uma, voltada, principalmente, para reinvindicações quanto ao direito à saúde, ao trabalho e à redistribuição de poder entre os sexos. E a outra, mais voltada para o âmbito da vida privada, questionando as relações interpessoais no lar, na família e as tarefas domésticas.
A década de 1980, assistiu a consolidação do movimento de mulheres no Brasil, a qual tornou-se uma importante força política com significativa penetração em associações profissionais, partidos, sindicatos, legitimando a mulher como sujeito social e introduzindo o debate das relações de gênero no discurso político, social e acadêmico. Conforme Santi (2004), foi nesse período que muitos grupos de mulheres “voltaram-se para a constituição de Organizações não Governamentais-ONGs e buscaram influenciar as políticas públicas em áreas específicas utilizando os canais institucionais” (p. 32).
Mulheres, Relações de Gênero e Psicologia
De acordo com Araújo (2015), os Estudos de Gênero surgiram a partir dos movimentos feministas que viram a necessidade de discutir as relações entre homens e mulheres na sociedade, para melhor entendê-las. Por Estudos de Gênero quer-se designar um campo de estudos que aborda a complexidade de relações que engendram e, ao mesmo tempo, se sustentam na lógica da desvalorização da mulher em relação ao homem, principal fonte de manifestações de machismo e da violência doméstica, entre outras. O campo dos Estudos de Gênero discute de uma forma profunda o modo pelo qual o gênero resulta de uma construção social, e não apenas uma questão biológica, que orienta e sustenta a relação social entre homens e mulheres baseado na suposição da inferioridade da mulher em relação ao homem. Trata-se de um campo específico de estudos e pesquisas que emergiu a partir da década de 1970, no cenário científico nacional e internacional, marcado pela abordagem interdisciplinar envolvendo a quase totalidade das disciplinas da área das ciências humanas e sociais.
Apesar da extraordinária produtividade e diversidade dos estudos de gênero, o tema não encontrou imediata oportunidade na Psicologia. Ainda que, de acordo com Cannone (2018, p. xx), desde a década de 1970, estudos da área da Psicologia Social tenham se dedicado a estudar “a relação entre comportamentos ditos femininos e masculinos levando em conta ... o atributo simbólico”, o foco desses trabalhos não contemplam estudos orientados por uma epistemologia feminista que reconhece natureza sempre parcial e situada dos conhecimentos e que devem ser contextualizados historicamente (Haraway e Goodeve, 2015).
Ao contrário, na área da Psicologia Social a temática era inserida de forma isolada, com poucas associações ao contexto sócio político econômico e cultural. Trata-se de uma característica que decorre da breve história da Psicologia Social a qual vem se forjando na esteira da “pluralidade e multiplicidade de abordagens teóricas adotadas como referenciais legítimos à produção de conhecimentos” (Ferreira, 2010, p.51).
Nuernberg (2005) ressalta que, em geral, a Psicologia apresenta historicamente uma resistência em incorporar esse debate; seja pela limitação tradicional, seja pelo diálogo frágil com os movimentos sociais. Segundo o autor, a temática de gênero é considerada como “mera variável, a partir de formas individualizantes de reflexão, onde se reduz gênero à sexo’’ (2005, p.70).
A ausência da temática de gênero na literatura científica brasileira em psicologia parece expressar a influência de visões e discursos reducionistas na delimitação do objeto de estudo, mantendo-a refém do binômio indivíduo-sociedade, fazendo-a oscilar ora para as relações que os indivíduos mantêm entre si, ora para a sociedade ou cultura. Para Rosenberg (1984) trata-se do efeito da presença de padrões sexistas que colaboram para a perpetuação de visões e discursos reducionistas no âmbito da prática e formação profissional dos/as Psicólogos/as. (Rosemberg, 1998).
Contudo, embora marcada por padrões sexistas norteadoras da sociedade, paradoxalmente, foi um psicólogo e psicanalista, o americano Robert Stoller em 1968, que disseminou a hipótese da dissociação entre sexo e identidade de gênero, entendendo-a como parte da constituição do sujeito para além de caracteres biológicos. Nesse sentido, vale lembrar que a produção do conhecimento científico faz parte do processo social mais amplo e, portanto, não está livre da influência de visões e valores dominantes que se disseminam através de instituições tais como: família, mídia, religião, educação, política, leis, etc.
De acordo com Rosemberg (1984), a Psicologia brasileira se desenvolveu sem suspeitar da existência desse processo, provavelmente, porque desde o século xix, se engendrou contribuindo e reforçando “normas sobre o feminino (e o masculino), como a romantização da maternidade.”
Não obstante, pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em 2012, evidenciou a notável hegemonia de mulheres psicólogas, o que poderia sugerir que o lugar de ser mulher por si só traria um teor implícito de relações de gênero digno de visão crítica. Contudo, percebe-se que essa é uma iniciativa rara no âmbito da categoria profissional e também nas universidades do país. De acordo com Santos (2013), geralmente, a percepção das/os psicólogas/os sobre conceitos vinculados a gênero e sexualidades, denunciam a confusão de termos e a falta de apropriação teórica por parte da categoria, reforçando a imperiosa e urgente necessidade de inserção do debate de gênero desde a graduação. Tais dados também denunciam a necessidade do aprofundamento do saber psicológico na temática de gênero, sobretudo por conta do acervo restrito, comprometendo a prática diante da fragilidade de embasamento teórico próprio e contextualizado. (CFP, 2012).
Mais do que isso, as desigualdades de gênero na academia têm ultrapassado a produção e transmissão do conhecimento científico, atingindo o convívio e cotidiano das relações –os homens, por exemplo, costumam ocupar lugares de maior prestígio bem como os cargos de maior responsabilidade.
Metodologia
Foi desenvolvida uma pesquisa exploratória e descritiva de abordagem qualitativa, que visou identificar e caracterizar como o tema da dupla jornada de mulheres inseridas no mercado de trabalho vem sendo apresentado na literatura científica brasileira, especialmente, na área da Psicologia. As buscas foram realizadas em bases de dados eletrônicas de acesso livre consideradas como referência dentro da área da Psicologia, a saber: PePSIC, SciELO, LILACS e IndexPSI periódicos técnico-científicos. Também foram acessadas as bases de dados eletrônicas de acesso livre consideradas como referência na área das Ciências Sociais Aplicadas, tais como: Directory of Open Access Journals (DOAJ), Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL), World Scientific, todas, reconhecidas como fontes confiáveis e de grande relevância científica.
Para o procedimento de coleta de informações foram utilizados, como instrumentos, computador com acesso à internet e folhas de registro contendo um quadro geral especialmente criado para sistematizar e organizar os dados. As informações foram coletadas, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: textos completos que apresentavam referência direta ao tema; publicados entre 2013 e 2019; disponíveis em português e que apresentavam pesquisas relativas à realidade brasileira.
Foram identificados trezentos e cinquenta e um (351) artigos publicados no Brasil entre 2013 e 2019 relacionados à temática. A partir desse total foi realizado um refinamento das informações procurando-se nos títulos das publicações e nas palavras-chave alguma menção direta ao tema, através dos indexadores “mulher/mulheres”, “mercado de trabalho” e “dupla jornada/trabalho doméstico”. Foram selecionados somente os artigos que apresentavam os indexadores isoladamente ou combinados, sendo que as publicações que não apresentaram essa característica foram descartadas.
Resultaram desse procedimento, vinte e dois (22) artigos a partir dos quais foi realizado um segundo refinamento das informações coletadas. Assim, por meio da leitura de todos os resumos foi possível identificar e selecionar somente aqueles que apresentavam, combinados ou isoladamente, os referidos indexadores, descartando-se os artigos que não se encaixavam nesses critérios.
Assim, a partir da busca efetuada nas bases de dados de revistas científicas, percorremos os 351 números publicados até 2019, sendo localizados dez (10) artigos que abordam a temática da dupla jornada da mulher e o mercado de trabalho. As informações foram analisadas de acordo com cinco categorias de análise a saber: área de conhecimento; objetivos da investigação, ano de publicação, tipo de pesquisa e principais conclusões. Esse será o universo considerado na análise e nas reflexões que seguem.
Análise e Discussão dos Resultados
A revisão dos artigos selecionados permitiu-nos identificar que oito (08) deles apresentaram resultados de pesquisas de caráter qualitativo e dois relataram a realização de pesquisas quantitativas sendo que, quanto aos seus objetivos, as pesquisas foram predominantemente descritivas (05) e exploratórias (03) com uso de entrevistas de campo, abarcando tipos de amostragem diferentes.
Quanto as datas de publicação, observou-se que 60% dos artigos examinados foram publicados concentrou-se entre os anos de 2017 e 2016, sendo que 40% foi publicado em 2017 e 20% em 2016. Nos demais anos da série analisada foram identificados apenas um artigo publicado, exceto, o ano de 2018, no qual nenhuma publicação relativa à temática analisada foi identificada, conforme consta no Gráfico 1.
Gráfico 1. Artigos per ano de publicação. Fonte: as autoras.
Sob o ponto de vista dos objetivos das pesquisas, distribuímos os artigos analisados em três grandes categorias: a) objetivos voltados a questões de contexto social (10%); b) objetivos focados nas relações entre variáveis (20%) e; c) objetivos focados na perspectiva da experiência subjetiva das mulheres (70%), conforme demonstra o Figura 1. Ressalta-se que, na Categoria Experiências Subjetivas, a mais visada foi a motivação das mulheres.
Figura 1. Objetivo das pesquisas. Fonte: as autoras.
Com relação a área de conhecimento, a análise dos artigos apontou a predominância das Ciências Sociais Aplicadas, sendo que 40% dos artigos são provenientes do campo da Administração, 30% da Sociologia e 20% da área Interdisciplinar. Interessante registrar a existência de uma publicação proveniente do campo da Linguística a qual utilizou-se dos fundamentos da Análise do Discurso de linha francesa para a realização de suas análises.
No que se refere às conclusões a que chegaram, metade das publicações (50%) fazem uso de termos tais como “dificuldades”, “conflitos”, “insuficiências” diversas e “desafios” para descrever situações e experiências subjetivas das mulheres. Basicamente, no âmbito doméstico, as dificuldades estão relacionadas à dupla jornada de trabalho e a falta de apoio ao cuidado e a orientação dos filhos. Com efeito, de acordo com Herrera (2016), os trabalhos doméstico e de cuidados foram historicamente realizados quase que exclusivamente por mulheres e, por este motivo, foram totalmente invisibilizados em nossa sociedade, motivo pelo qual não são reconhecidos como estratégias para a manutenção e reprodução social. Daí parece resultar a dupla jornada de trabalho das mulheres, a qual é resultado da “sobreposição de tarefas do trabalho remunerado e não remunerado no cotidiano” (Ávila, 2013, p. 234).
No âmbito profissional, as dificuldades se relacionam a menores rendimentos, acirrada competitividade no mercado de trabalho e incompatibilidade entre ascensão profissional e vida familiar. Nesse sentido, os estudos desenvolvidos buscando analisar as relações entre variáveis demonstraram que o apoio familiar reduz os níveis de conflito, enquanto a carga de trabalho os eleva. Ainda que os homens estejam mais dispostos em ajudar com as tarefas de casa, isso não parece ocorrer em relação ao cuidado e a orientação dos filhos, fortemente relacionado às mães.
Com efeito, uma vez que as atividades domésticas cotidianas são social e culturalmente relacionadas às mulheres ainda recaem sobre elas a maior carga do trabalho doméstico e familiar. Essa dupla jornada implica a concentração feminina em determinadas áreas profissionais, refletindo uma clara separação entre os gêneros. Nesse sentido, Araújo (2015: 118), assevera que as mulheres adentraram o mercado de trabalho ocupando “cargos inferiores aos dos homens e de baixa remuneração em áreas ligadas ao trabalho reprodutivo (tecer, servir, cuidar, costurar, fiar) e no setor de serviços (balconista, telegráfica, secretária).”
No entanto, na medida que as mulheres foram abrindo espaço no mercado de trabalho, os cargos exercidos por elas, gradativamente, foram socialmente desvalorizados e rebaixados economicamente, como é o caso da profissão de professora (Araújo, 2015). Isso demonstra a fragilidade do lugar que a mulher ocupa no mercado de trabalho, sugerindo a existência de um arraigado preconceito que ainda perdura no mundo organizacional. Nesse sentido, basta observar a rápida valorização de cargos tidos como femininos, quando os homens começam a ocupa-los, como é o caso das cozinheiras e dos chefs de cozinha.
De acordo com Souza (2017), trata-se de um processo que transforma as relações de trabalho, por meio da desarticulação entre trabalho produtivo remunerado e trabalho efetuado para reprodução. Nesse sentido,
a distinção entre estas duas esferas legitimam que os homens participam de um mercado de trabalho remunerado tido como tipicamente masculino, e que as mulheres se limitam à esfera doméstica, desempenhando atividades tipicamente femininas: trabalho doméstico; reprodução e nutrição; tarefas de cuidado com crianças, doentes e idosos. (Araújo, 2015, p. 52)
Ao mesmo tempo em que as mulheres passaram a ter mais abertura no mercado de trabalho, cada vez mais se depararam com dificuldades para nele se manterem, principalmente, depois de assumirem o papel de mães.
Além disso, os estudos apontaram a existência de um fenômeno chamado “hereditariedade” social com relação ao trabalho doméstico não remunerado. Foi demonstrado que as mulheres que cresceram vendo suas mães acumulando trabalhando fora e assumindo uma dupla jornada, tendem a reproduzir esse percurso, ainda que apresentem um nível educacional maior que o da mãe.
Os resultados também evidenciaram que as políticas empresariais voltadas para as mulheres ainda são insuficientes para lhes garantirem condições adequadas para permanecerem no mercado de trabalho. Com efeito, em muitas empresas, a cultura organizacional, cobra excelência da produção feminina desconsiderando a existência da dupla/tripla jornada de trabalho e as pressões sociais para a maternidade (Carvalho, 2016; Ceribeli, Silva, 2017).
A maioria dos estudos analisados defende a necessidade da redução dos impactos da dupla jornada de trabalho na vida das mulheres, por meio de estratégias organizacionais que invistam em jornadas flexíveis e recursos de apoio ao cuidado dos filhos.
Na esperança de acessar empresas que adotem tais estratégias voltadas à atender as vicissitudes do trabalho feminino, as mulheres se lançam na busca por atualização como forma de crescimento profissional. Contudo, isso implica um acréscimo na sua carga horária de afazeres, (Caires, Gomes, Santana, 2014).
Outra estratégia que vem sendo adotada pelas mulheres, diz respeito a postergação para cada vez mais tarde do momento de ser mãe. Isso ocorre em função da necessidade de estar mais disponível para sua carreira profissional. Todavia, quando a mulher retorna ao mercado de trabalho, independentemente de seu grau de instrução, geralmente enfrenta dificuldades para reintegrar-se. Diante disso, muitas mulheres partem para o trabalho informal ou retornam à um cargo de menor prestígio (Ceribeli, Silva, 2017).
Trata-se de um conjunto de pressões sociais que, de acordo com os trabalhos analisados, possuem dois vieses de cobrança a respeito da mulher mãe no mercado de trabalho. Um deles acontece quando se a mulher abdica da carreira em favor da maternidade, no qual considera-se que ela está abandonando suas conquistas e sua independência. Contudo, o outro viés acontece se a mulher decide seguir sua carreira, situação na qual ela também costuma ser julgada pela “terceirização do cuidado dos filhos”. (Caires, Gomes, Santana, 2014).
Considerações Finais
Ao finalizar o presente artigo destaca-se que com esta pesquisa foi possível elucidar diversas questões acerca da mulher, da mulher mãe e do mercado de trabalho, objetivo inicial da revisão da literatura. Ao finalizar a análise de todos os textos foi possível compreender que a história das mulheres
é atravessada por diversas lutas, tanto por espaço de fala quanto por direitos a serem ainda adquiridos, sempre em busca da igualdade. Os artigos conversam muito entre si, principalmente, em um contexto geral, mostrando que as mulheres avançaram muito. Por força das lutas feministas, as mulheres estão inseridas em cargos mais valorizados e, cada vez mais, conquistam espaços que antes eram ocupados exclusivamente por homens. Mas, também é preciso avançar os debates sobre o ainda difícil papel feminino na sociedade.
No que tange ao mercado de trabalho, a mulher por ter a possibilidade de ser mãe continua tendo que carregar muitas questões atreladas a si. Mesmo se a sua intenção não for dar à luz, as mulheres acabam sendo vítimas de preconceitos injustificáveis e por vezes são, implicitamente, obrigadas a fazer escolhas que homens, em sua maioria, jamais seriam convocados a realizar.
Contudo, é possível concluir que as mulheres vêm conquistando seus espaços através dos séculos. Por meio de lutas, as mulheres conquistaram importantes ganhos, mas ainda há muita luta a ser enfrentada. É possível ter esperança nas gerações futuras para que continuem garantindo o acesso à educação, cultura e oportunidades igualitárias, além da manutenção de um espaço digno da mulher no mercado de trabalho.
Sobre as publicações, pesquisas e estudos sobre a temática de gênero na área da psicologia ainda é desejável que melhore. Não é possível que a produção do conhecimento sobre esta temática tão importantes fique restrita aos centros de ciências políticas, sociologia, antropologia, recursos humanos, administração, etc. Principalmente porque a psicologia em seu código de ética profissional promove os direitos humanos e à busca pela igualdade, é preciso abrir maior margem para discutir, estudar e produzir conhecimento sobre o papel da mulher em uma sociedade culturalmente, ainda patriarcal e misógina. A análise do material demonstra que ainda é preciso desconstruir valores patriarcais que rondam os papéis sociais de gênero, contribuindo para a manutenção de estereótipos e resistência dos homens.
O cenário atual traz uma forte urgência de aprofundamento nos estudos de gênero no campo da Psicologia, ainda que o grau de complexidade e a transdisciplinaridade do tema, se caracterizem como alguns dos impasses do desenvolvimento da área no contexto acadêmico (Lima e Souza, 2011). É importante que a/o futura/o profissional reflita acerca do exercício da própria profissão, da sua posição enquanto sujeito, das relações sociais dentro da lógica de papeis de gênero reforçados pela hegemonia e a interferência na sua própria subjetividade. (Santos, 2013).
Considerando que o ideal da Psicologia como ciência e profissão está intimamente ligado à garantia dos direitos humanos, a partir de uma ética alinhada com a responsabilidade social e contextualizada com a cultura, entendemos que debater as questões de gênero não é uma opção, mas uma obrigação. O questionamento e ocupação desse espaço se configura como um ato político de reformulação de realidades ainda conservadoras que dificultam o exercício da equidade social.
Referências
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