Gustavo Martineli Massola
Bernardo Parodi Svartman
Luis Guilherme Galeão da Silva
Alessandra Blengini Mastrocinque Martins
Daniela GalvãoVidoto
Alessandro de Oliveira dos Santos
Brasil
Resumen
Con el objetivo de apoyar la educación científica de estudiantes de secundaria, se creó el programa de Pre-Iniciación Científica de la Universidad de São Paulo (pré-IC-USP), que pretende estimular la participación de estos estudiantes en proyectos de investigación de vanguardia. El proyecto está impulsado por profesores del Instituto de Psicología de la USP. Se describen las experiencias de turismo comunitario en tres comunidades del Valle de Ribeira / SP. Uno de los subproyectos, “Identidad, territorio y participación” tiene como objetivo investigar la relación entre el arraigo territorial y la participación en experiencias de turismo entre los residentes del quilombo. La mayor parte de las actividades involucran equipos de todos los subproyectos al mismo tiempo. Se utilizaron los siguientes recursos: conferencias sobre temas relacionados con la investigación, talleres para la creación y el uso de herramientas de investigación, visitas técnicas a las comunidades investigadas, búsquedas bibliográficas, entre otros. El éxito de los trabajos será juzgado por la calidad de los datos obtenidos. Hasta la fecha, todas las etapas de la investigación científica en psicología se han cumplido correctamente, lo que indica el éxito del experimento.
Palabras clave: educación científica, psicología, turismo, identidad.
Abstract
In order to support scientific education of high school students, created the Pre-University Scientific Initiation of São Paulo (pre-IC-USP), which aims to encourage the participation of these students in cutting-edge research projects. The project is led by professors from the Institute of Psychology of the USP. We describe the experiences of community tourism in three communities Ribeira Valley / SP. One of the sub, "Identity, territory and participation" aims to investigate the relationship between territorial roots and involvement in tourism experiences among residents of the brothel. Most of the activities involve all sub teams simultaneously. The following resources were used: lectures on topics related to research, workshops for the creation and use of research tools, technical visits to the research communities, literature searches, and more. The success of the work will be judged by the quality of the data obtained. To date, all stages of scientific research in psychology have been fulfilled properly, indicating the success of the experiment.
Key words: scientific education, psychology, tourism, identity.
Introdução
Com o objetivo de colaborar com a qualidade da educação pública no nível do ensino médio no estado de São Paulo, foi criado o programa de Pré-Iniciação Científica da Universidade de São Paulo (Pré-IC-USP), que, por meio da concessão de bolsas a alunos deste nível da educação básica, objetiva estimular a participação de tais alunos em projetos de pesquisa de ponta, coordenados por professores da USP. Este programa é uma iniciativa da Pró Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) que almeja apoiar projetos de pesquisa nas áreas exatas, biológicas e humanas, visando despertar e incentivar o interesse de alunos na rede pública de ensino mediante o acompanhamento de atividades e convivência com os procedimentos e as metodologias adotadas em pesquisa científica, oferecendo assim, oportunidades de complemento da formação pessoal, aprimoramento de conhecimentos e preparo para a vida profissional ao aluno participante. (Pró-Reitoria de Pesquisa, 2012b)
Busca realizar tais objetivos oferecendo a esses alunos a oportunidade de complemento da formação pessoal, o aprimoramento de conhecimentos e preparo para a vida profissional, e estimula a inserção desses alunos na USP para o acompanhamento de atividades e convivência com os procedimentos e as metodologias adotadas em pesquisa científica, o desenvolvimento de atividades científicas planejadas para o bolsista na linha de pesquisa do orientador e o acesso a outras atividades, como ciclos de seminários, simpósios e cursos (Pró-Reitoria de Pesquisa, 2012a). As bolsas de estudo têm duração de 12 meses e são pagas diretamente ao estudante.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, o aluno é acompanhado tanto pelo orientador da USP quanto por um supervisor da escola de ensino médio na qual está matriculado. Supõese, no contato do aluno com a pesquisa, a existência de parceria entre o orientador e o supervisor, por meio da qual seja promovida a integração do aluno ao programa. Esperse, assim, que haja encontros entre orientador e supervisor em frequência suficiente para garantir a realização adequada das atividades e o bom desempenho dos alunos envolvidos.
O orientador e o supervisor devem responsabilizase, de formas diferentes, pela recepção do aluno junto às atividades a serem desenvolvidas na USP, pela integração dos alunos junto aos programas de pesquisa em que se inserirem, pela transferência de experiências dos alunos do programa para a escola de origem e pela frequência a ciclos de palestras promovidos pela USP para o aperfeiçoamento do programa e para o aprofundamento da compreensão, por parte dos alunos, do sentido de sua frequência ao programa. O aluno apresenta, no final de sua participação, um relatório circunstanciado, bem como uma palestra junto a sua escola, apresentando os resultados mais significativos, em termos pessoais, de sua experiência como aluno de Pré-IC-USP.
Objetivo
O presente trabalho tem por objetivo descrever um projeto de Pré-ICUSP que visa ensinar os bolsistas a operar instrumentos de investigação em Psicologia, bem como compreender a lógica da descoberta científica e de sua comunicação. Considerando os princípios formulados pela Universidade de São Paulo, nos quais se estabelece o objetivo primordial de fomentar o incremento da qualidade do ensino básico de caráter público no estado de São Paulo, e considerando as características do ensino médio brasileiro, que tem como um de seus objetivos capacitar os alunos a compreenderem o pensamento e o processo de descoberta científicos, um grupo de professores ligados ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) elaborou um projeto por meio do qual buscou aproximar de um contingente de alunos do ensino médio os instrumentos e os procedimentos de investigação utilizados no desenvolvimento do conhecimento psicológico.
O ensino médio tem como uma de suas finalidades, além da “preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando” (Congresso Nacional, 1996, Art. 35, II), “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (Congresso Nacional, 1996, Art. 35, III). A realização desses objetivos pressupõe, segundo se pode depreender do texto da LDB, que a ênfase do ensino médio recaia, em grande medida, sobre o ensino de ciências com vistas a per- mitir ao aluno que compreenda os processos de criação simbólica no âmbito científico e sua relação com a produção tecnológica.
O ensino de ciências é parte constitutiva e essencial no ensino médio brasileiro. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Congresso Nacional, 1996) estabelece que, entre as finalidades do ensino médio, encontrase “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina” (Congresso Nacional, 1996, Art.35, IV). Mais adiante, ao elencar as diretrizes básicas do ensino médio, a lei estabelece, entre outras, que o currículo do ensino médio “destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes” (Congresso Nacional, 1996, Art. 36, I). Por fim, ao apresentar os resultados esperados do ensino médio, a lei propõe que o educando deva demonstrar “domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna” (Congresso Nacional, 1996, Art. 36, §1o, I). O ensino de ciências, assim, aparece como um objetivo expressamente assumido pelo texto das leis que definem as características, as diretrizes e as metas para o ensino médio no Brasil.
Considerandose os parâmetros oficiais de avaliação do ensino médio adotados pelo governo brasileiro, pode-se concluir que os objetivos fundamentais desta etapa do processo de escolarização não têm sido alcançados. O cálculo de desempenho do ensino básico no Brasil é dado por meio do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), divulgado bienalmente pelo Ministério da Educação. O índice relativo ao ano de 2011, divulgado em agosto de 2012, e que em sua composição inclui o desempenho dos alunos nas disciplinas de matemática e português, indica que, em uma escala de 0 a 10, a média de desempenho dos alunos de ensino médio no Brasil ficou em 3,7 pontos. Em uma comparação com o ano de 2007, quando o resultado ficou em 3,5 pontos, observa-se um crescimento de 0,2 pontos em quatro anos. O baixo crescimento no resultado deste indicador levou o Ministério da Educação a sugerir mudanças globais na organização do currículo neste nível educacional (Takahashi, 2012), entre as quais a reorganização das 13 matérias básicas do currículo, que deixariam de ser ministradas com base em sua organização disciplinar (por meio da existência de disciplinas específicas de Biologia, Física, História ou Química, por exemplo) e passariam a ser ministradas tendo por base sua organização em grande áreas do conhecimento (ciências humanas e da natureza, por exemplo). Conquanto o foco desta ação esteja direcionado para as disciplinas de matemática e português, efetivamente computadas pelo IDEB, se entendermos que o índice é representativo da situação global do ensino médio no Brasil, devemos assumir que situação semelhante se verifica no ensino de ciências.
No Brasil, o deficitário processo de escolarização de crianças e jovens é tipicamente associado às dificuldades encontradas para a superação de persistentes problemas sociais e para o estabelecimento de um sistema social democrático e igualitário. Ney e Hoffman (2009), por exemplo, estudando os determinantes da desigualdade social em populações rurais brasileiras, chegam à conclusão de que “embora o capital físico seja o principal determinante da concentração da renda agrícola, é a educação o fator que explica a maior parcela da desigualdade de rendimentos nas atividades não-agrícolas e no meio rural como um todo”.
Pode-se argumentar, por outro lado, que os problemas educacionais observados no Brasil decorrem do recente processo de massificação do ensino público, que, desde a década de 1990, passou a abranger, especialmente nos primeiros anos do ensino básico, a quase totalidade da população em idade escolar do Brasil. Rodrigues, Rios-Neto e Pinto (2011), por exemplo, analisando os indicadores demográficos e de desempenho escolar obtidos por meio do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) para o intervalo compreendido entre os anos de 1997 e 2005, concluem que a massificação do ensino contribui significativamente para a redução do desempenho escolar no Brasil e apontam que os resultados apresentados neste estudo parecem reforçar a ideia da existência de um trade-off entre a democratização das oportunidades educacionais e a garantia da qualidade da educação escolar. A principal mensagem subjacente é a de que a massificação do ensino não é um processo trivial, havendo preços de qualidade a serem pagos.
Tais conclusões são contraditadas por estudos que, na esteira do pensamento de Patto (2000), combatem tanto as concepções que sustentam a vinculação entre as características da população brasileira e o seu fracasso escolar –nas formas mais arcaicas em que tais explicações encontravam seu apoio em uma suposta inferioridade racial do povo brasileiro e nas formas mais recentes, em que tais características ganhavam a denominação de “carência cultural”– quanto as concepções que veem na instituição escolar apenas uma engrenagem em um amplo maquinário de produção e reprodução de desigualdades sociais. Sem negar o papel desempenhado pela escola como aparelho ideológico do estado, podese reconhecer em seu funcionamento elementos contraditórios que tanto apontam para a manutenção da desigualdade quanto para a sua superação. Neste sentido, a universalização do acesso à escola nos primeiros anos do ensino fundamental representa um passo importante para a superação das seculares formas de desigualdade e violência existentes no Brasil, a qual apresenta como contrapartida a precariedade das condições de ensino existentes nas escolas “massificadas”. É assim que Carvalho (2011), ao ponderar sobre a situação do ensino no Brasil, sintetiza suas impressões:
Por décadas, na ausência de um autêntico sentido público, a escola brasileira tinha uma clara finalidade socioeconômica: operar como um mecanismo de seletividade precoce capaz de dar legitimidade social para a ideologia da meritocracia individual. Assim a experiência escolar conferia aos poucos que a ela tinham acesso uma distinção social que frequentemente se revertia em privilégio econômico. Com a expansão de seu atendimento à quase totalidade da população esvaise seu poder de operar distinções e com ele o “sentido” (na verdade, a “finalidade”, já que era concebida mais como “meio” para um fim que lhe era extrínseco) que historicamente lhe foi associado. … A democratização de seu acesso, que poderia ter significado a ampliação de uma experiência simbólica potencialmente rica, resultou na manutenção de um “meio” para o qual já não mais se vislumbra claramente um “fim”.
O próprio governo brasileiro, ao aprovar a Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que estabelece o Plano Nacional de Educação, reconhece que pelo caráter que assumiu na história educacional de quase todos os países, a educação média é particularmente vulnerável à desigualdade social. Na disputa permanente entre orientações profissionalizantes ou acadêmicas, entre objetivos humanistas ou econômicos, a tensão expressa nos privilégios e nas exclusões decorre da origem social. (Congresso Nacional, 2001)
Se considerarmos que o ensino médio tem como um de seus objetivos permitir aos alunos que tenham acesso à racionalidade subjacente à produção tecnológica, em outras palavras, que se tornem capazes de decodificar e produzir símbolos em conformidade com as regras existentes na esfera científica, os problemas enfrentados por esta etapa escolar podem significar a impossibilidade para os alunos de acesso à forma hegemônica de produção de conhecimento nas sociedades ocidentais.
3. Temática
3.1. O projeto “Experiências de turismo de base comunitária no Vale do Ribeira/SP”1
O projeto de Pré-IC-USP “Experiências de turismo de base comunitária no Vale do Ribeira/SP: Um estudo psicossocial”, sob coordenação dos professores Alessandro de Oliveira dos Santos, Bernardo Parodi Svartman, Luis Guilherme Galeão da Silva, Alessandra Blengini Mastrocinque Martins e Daniela Galvão Vidoto, proposto em parceria com a Escola Técnica (ETEC) Engenheiro Agrônomo Narciso de Medeiros (Iguape-SP), é conduzido por 6 professores do Instituto de Psicologia da USP, além de um bolsista de pósdoc e um bolsista prodoc ligados ao mesmo instituto. Visa descrever experiências de turismo de base comunitária de três comunidades do Vale do Ribeira/SP (uma vila caiçara, uma aldeia guarani e um quilombo) identificando estratégias, resultados alcançados e relação com o mercado turístico. Cada professor propôs um subprojeto e o desenvolveu com auxílio de 8 bolsistas Pré-IC-USP (total: 64) e 1 professor supervisor da ETEC (total: 8).
De modo geral, o projeto parte da constatação de que o potencial para o ecoturismo e o turismo de aventura, o imenso patrimônio histórico e cultural e a escolha como sede da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, colocam o Brasil na dianteira de outros países como destino turístico nos próximos anos. Segundo o Ministério do Turismo estão previstos investimentos públicos e privados em infraestrutura e qualificação profissional, além de financiamentos para consolidação e ampliação de segmentos que compõem a cadeia produtiva do turismo (como agências, restaurantes, hotéis, pousadas, entre outros). Acreditase que com esses investimentos o país possa triplicar o número de turistas estrangeiros que visitam anualmente o Brasil que nos últimos anos tem sido de, aproximadamente, seis milhões (Ministério do Turismo, 2010).
Destarte, como outros setores da economia capitalista, o “negócio-turismo” se baseia na apropriação e exploração da sociedade e do ambiente visando a geração do lucro. Os empreendimentos relacionados ao setor, com poucas exceções, possuem um ciclo composto de três etapas: (1) busca de destinos, (2) incentivo ao “desenvolvimento” e (3) seguir em frente, buscando outro destino, quando o ponto de saturação/novidade foi atingido. Esse fenômeno é conhecido como “ciclo de vida” de uma comunidade anfitriã de turismo-termo que designa às localidades (distritos, bairros de municípios) do interior ou litoral de um país, cuja organização eco nômica voltase para o turismo (Joseph & Kavoori, 2001).
Em muitas comunidades o turismo tem produzido desigualdades sociais e impactos ambientais, alijando a maioria da população local dos recursos e benefícios gerados pela exploração dessa atividade, bem como dos processos de tomada de decisão e planejamento que envolvem o ambiente no qual vivem (Ribeiro, 2008). Diversos estudos têm mostrado que o desenvolvimento do turismo de forma não sustentável –ou seja, ecologicamente (in)correto, economicamente (in)viável, socialmente (in)justo e sem participação comunitária e enraizamento social–, apenas contribui para o desequilíbrio ecológico e para a desagregação social das comunidades anfitriãs (Bauer, 2008; Coriolano, 2001; Mbaiwa, 2004; A. O. Santos & Figueiredo, 2009).
Frente a este contexto surgem experiências, em diversas partes do mundo, de desenvolvimento de um modelo de turismo protagonizado pelos próprios moradores das comunidades. O conjunto dessas experiências tem sido denominado de Turismo de Base Comunitária ou Turismo de Base Local. Neste modelo, os empreendedores, os gestores e os maiores beneficiários do turismo são os moradores, que organizados de forma coletiva ou em núcleos familiares prestam na localidade onde vivem diferentes serviços aos turistas. Segundo Coriolano (2006) o modelo de desenvolvimento do turismo adotado pelos grandes empreendedores e governos neoliberais objetiva acumular lucros e divisas, por conseguinte nunca cumprirá o ideal de gerar emprego e distribuir renda para todos. Contudo, o “negócio-turismo” deixa lacunas não ocupadas pelo grande capital, que se tornam oportunidades para aqueles excluídos desta concentração, criandose assim um modelo não hegemônico, alternativo e comunitário de turismo e cujas principais características são: a cooperação, a autogestão, a valorização da cultura e do modo de vida local, a conservação da natureza e a distribuição dos recursos gerados com o turismo.
No Turismo de Base Comunitária os moradores são ao mesmo tempo os articuladores e construtores da cadeia produtiva do turismo. Isso contribui para que a renda e o lucro permaneçam na comunidade e para que os atores sociais locais se envolvam de forma mais direta com as atividades. Tal modelo abre espaço para que a comunidade possa se apropriar de ferramentas para o desenvolvimento local ao mesmo tempo em que se beneficia da comercialização de produtos e serviços (V. F. Carvalho, 2007). Todavia, esse modelo de turismo não deve ser tomado como meio de expressão sectária, visto que é impossível praticálo de forma isolada. Existe a necessidade de entrelaçamento entre setor público, iniciativa privada e população local, para que os moradores tenham acesso aos meios e recursos adequados para oferecer seus produtos e serviços. Tratase, portanto, de uma oportunidade de desenvolvimento sustentável para uma comunidade organizada ou em vias de autoorganização.
A região do Vale do Ribeira paulista, localizada no sudoeste do Estado e formada por 23 municípios, tem a maior área contínua remanescente de Mata Atlântica, apresentando diversos atrativos turísticos como praias, cachoeiras, cavernas, patrimônio histórico e arqueológico e grande diversidade cultural.
A área integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica criada pela UNESCO em 1991 sendo protegida por diferentes categorias de Unidades de Conservação (Parques Estaduais, Estações Ecológicas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Reservas Extrativistas e Áreas de Proteção Ambiental). A cultura também é destaque na região, com a presença de remanescentes de quilombos, aldeias indígenas e vilas caiçaras que ainda conservam seus modos de vida tradicional.
Em contraposição ao seu rico patrimônio ambiental e cultural, a região apresenta os mais baixos indicadores sociais do Estado, incluindo altos índices de mortalidade infantil e analfabetismo (Sistema Único de Saúde, 2010). Além disso, a legislação ambiental rigorosa das Unidades de Conservação impõe à população local restrições em relação ao manejo da terra, o que acaba por desenhar um quadro de exclusão social no qual, especialmente para os jovens, são reservadas poucas perspectivas de trabalho ou renda.
Desde a década de 1980, o Vale do Ribeira tem atraído turistas, vindos na maioria de São Paulo (capital, região do ABC paulista e interior do estado), Curitiba e de outros países. O turismo está concentrado em alguns municípios da serra (Eldorado, Iporanga, Apiaí) e do litoral (Cananéia, Ilha Comprida, Iguape). Atualmente, são comuns na região excursões de escolas para estudo do meio e da diversidade sociocultural, grupos de terceira idade, de pesca e de Espeleologia (estudo de cavernas). A região também atrai romeiros, sobretudo do Sul do Brasil, que vêm participar da tradicional festa do Bom Jesus de Iguape. A festa acontece todo mês de agosto no município de Iguape e reúne religiosos, ambulantes, pessoas dos municípios vizinhos e turistas. Na região, a maioria das festas tem caráter religioso. Além da festa do Bom Jesus, destacamse a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, em Cananéia e a festa de Nossa Senhora do Livramento, em Iporanga (A. O. Santos, 2004; Vitae Civilis & WWF-Brasil, 2003).
A partir da década de 1990 algumas ações de incentivo ao turismo foram iniciadas na região, como a Agenda de Ecoturismo do Vale do Ribeira (Governo do Estado), o Pólo Ecoturístico do Lagamar (Fundação SOS Mata Atlântica) e o Programa Mata Atlântica (Secretaria do Meio Ambiente do Estado). Também é importante citar iniciativas de organizações da sociedade civil voltadas para capacitação de monitores ambientais com vistas à ordenação da visitação dos turistas nas Unidades de Conservação. Tais iniciativas aliadas à capacidade de auto-organização e empreendedorismo local contribuíram para o surgimento de experiências de turismo de base comunitária protagonizadas por ribeirinhos, caiçaras, quilombolas e índios guaranis. É fundamental conhecer essas experiências, seus acertos e desafios, sua viabilidade do ponto de vista da realidade da comunidade local e do mercado turístico, sua contribuição para o fortalecimento dos processos sociais de enraizamento nas comunidades.
Entre os objetivos do projeto, temos os seguintes:
• Descrever as experiências de turismo de base comunitária de três comunidades do Vale do Ribeira/SP (vila caiçara, aldeia guarani e quilombo), identificando as estratégias, os resultados alcançados e a relação com o mercado turístico;
• Investigar se as experiências têm como efeito o desenvolvimento de processos sociais de enraizamento nas comunidades. Esses processos podem ser observados nas relações dos grupos de trabalho e dos trabalhadores (artistas, artesãos, guias de turismo, monitores ambientais, barqueiros, empreendedores locais do turismo) com a preservação e transmissão da história local, e pela sua consciência da importância de preservação do patrimônio cultural e da participação política na construção de um modelo sustentável de turismo.
• Sistematizar as recomendações e lições aprendidas com essas experiências para que possam servir de modelos e/ou ser aplicadas em outras localidades da região e do país.
Este projeto constituiu, assim, um estudo descritivo do tipo qualitativo planejado em três etapas:
Na primeira, foi feito um levantamento documental e bibliográfico sobre as três comunidades e os temas de interesse do estudo: comunidades tradicionais, práticas culturais, participação comunitária, organizações comunitárias, enraizamento social, Vale do Ribeira, turismo de base comunitária. Neste estudo documentos são todos os materiais que possam ser usados como fonte de informação sobre as comunidades como, por exemplo, cartas, memorandos, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão, catálogos, estatísticas e arquivos. O levantamento bibliográfico sobre os temas de interesse do estudo, por sua vez, priorizará a consulta ao acervo das bibliotecas dos municípios onde estão localizadas as comunidades e consulta as bases de dados: de bibliotecas da USP e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e as bases de dados que reúnem periódicos científicos como Scielo e Lilacs. A análise dos documentos e da bibliografia selecionada incluirá a realização de catalogação e elaboração deresumos e resenhas.
Na segunda etapa do estudo foi realizada observação de campo nas três comunidades e entrevistas. Por meio da observação de campo, objetivouse levantar informações in loco sobre: as condições de vida nas comunidades (saneamento, moradia, alimentação, transporte); as condições dos empreendimentos de turismo (higiene, organização, manutenção, atendimento); as formas de participação, organização e relacionamento dos grupos de trabalho (artesãos, barqueiros, guias e monitores ambientais, donos de pousadas e restaurantes) no desenvolvimento do turismo; a presença e atuação dos equipamentos públicos (postos de saúde, escolas); as manifestações culturais (artísticas e religiosas); as formas de lazer e sociabilidade e de interação entre morador local e turista. As entrevistas, por sua vez, foram feitas com lideranças, moradores (idosos, adultos e jovens), artistas, professores, empreendedores locais do turismo, guias e monitores ambientais e com profissionais de agências de turismo e de escolas que enviam visitantes para as comunidades. Com as lideranças e moradores foram levantadas informações sobre: o perfil dos moradores (faixa etária, sexo, cor/raça, escolaridade, situação familiar, profissão), seus costumes e valores, as expectativas em relação ao turismo e os fatores que influenciam na ocorrência da atividade turística de forma satisfatória ou não na comunidade. Com os artistas e professores, foram obtidas informações sobre: as manifestações culturais, artísticas e religiosas das comunidades, sua relação com os conteúdos ensinados na escola e com o turismo desenvolvido nas comunidades. Com os guias, monitores ambientais, empreendedores locais do turismo e profissionais de agências e escolas, por sua vez, além de informações sobre os fatores que influenciam na ocorrência da atividade turística de forma satisfatória ou não nas comunidades, buscaram-se dados que permitissem identificar a visão do mercado turístico sobre as comunidades, ou seja, a perspectiva de quem presta ou contrata os serviços e de quem vende ou adquire os produtos das comunidades.
A terceira etapa da pesquisa corresponde à transcrição, à análise e à sistematização dos dados coletados, bem como à redação dos relatórios e eventuais documentos de comunicação científica, como artigos e capítulos de livros.
3.2. O subprojeto “Identidade, território e participação”
Um dentre os oito subprojetos apresentados e contidos no projeto principal acima descrito, intitulado “Identidade, Território e Participação: um estudo psicossocial sobre a experiência de turismo de base comunitária no quilombo Ivaporunduva, Vale do Ribeira/SP”, visa investigar a relação entre enraizamento territorial e participação nas experiências de turismo entre os moradores do quilombo mencionado. Os alunos realizaram estudos sobre a temática quilombola, elegeram os problemas de pesquisa e criaram os instrumentos utilizados durante a investigação, com auxílio dos professores. Grande parte das atividades envolvia as equipes de todos os subprojetos concomitantemente.
O quilombo em referência é uma comunidade com aproximadamente 320 moradores localizada no município de Eldorado e organizada em torno do ecoetnoturismo, ou seja, do turismo voltado para o conhecimento do modo de vida das comunidades tradicionais, aliado a conservação da natureza. Destaca-se o atendimento de grupos de visitantes, principalmente escolas, para os quais são apresentadas palestras sobre temas específicos como a história e modo de vida dos quilombos e os conflitos socioambientais na região. Também são oferecidos serviços de alimentação, hospedagem, comercialização de artesanatos, passeios e jogos. O turismo é tratado como atividade de renda complementar da comunidade e a gestão da atividade realizada de forma coletiva através da associação de moradores do quilombo. Esta experiência dura há aproximadamente 06 anos.
O presente projeto ocupa-se da participação popular nas experiências de turismo de base comunitária na região do Vale do Ribeira e busca situar as causas e consequências psicossociais do associativismo civil, à luz do conceito teórico de enraizamento, buscando apreender, ademais, aspectos referentes à formação de uma identidade, quer individual, quer coletiva, como fator de emergência e manutenção de uma força de coesão entre indivíduos e grupos, constituindo formas organizativas permanentes ou efêmeras de coletivos sociais e políticos.
Segundo Scherer-Warren (2002), associações civis são “formas organizadas de ações coletivas, empiricamente localizáveis e delimitadas, criadas pelos sujeitos sociais em torno de identificações e propostas comuns” (Scherer-Warren, 2002, p. 42). Tratase, na forma como estão aqui definidas, de organizações formais, originadas, muitas vezes, de interesses específicos de seus integrantes. Entre os tipos de associações civis existentes no Brasil, Scherer-Warren (2002, pp. 42-45) destaca os seguintes: 1) Associações comunitárias; 2) Mútua- ajuda; 3) Associações de classe; 4) Organizações não-governamentais; 5) Organizações de defesa da cidadania; 6) Associativismo de base religiosa. Interessanos, neste sentido, destacar que uma das dimensões fundamentais do associativismo é a da espacialidade. Com isso, a autora entende a relação específica entre as tecnologias da informação e as demandas territoriais, que faz com que tais demandas sejam continuamente redimensionadas, pois o âmbito da localidade passa a ser invadido por problemas globais e, inversamente, problemas locais podem projetarse, a partir das novas tecnologias, em escala global (Scherer-Warren, 2002, p. 53). O problema da espacialização desses fenômenos grupais pode nos sugerir um recorte para seu estudo. Denominaremos associações comunitárias às organizações formais cuja origem grupal e cujo princípio de dinamismo psicossocial estão ligados a demandas fortemente vinculadas ao território ocupado pelos seus participantes. Dessas questões, surge a necessidade de discutirmos o problema do território ou do “lugar”.
O problema do território ocupa boa parte da discussão sobre o fenômeno da globalização, sendo essencial, por exemplo, para a compreensão do movimento ambientalista (Gohn, 2007, p. 257). Pode-se afirmar com Giddens (1991, p. 27) que o território (ou o “lugar”) apresenta, sob a globalização, um caráter fantasmagórico advindo de sua penetração por influências sociais distantes. Também se pode questionar a possibilidade de definir uma dimensão territorial para uma associação civil se considerarmos que as ações coletivas parecem organizar-se crescentemente em termos de redes, e não em termos territoriais (Castells, 2007, pp. 467-521). Ianni (1997), por exemplo, entende como sendo de fundamental importância para a compreensão da dinâmica da globalização o processo de desterritorialização, expressão de “estruturas de poder econômico, político, social e cultural internacionais, mundiais ou globais descentradas, sem qualquer localização nítida neste ou naquele lugar, região ou nação” (Ianni, 1997, p. 93). Este processo potencializa as condições de alienação, em decorrência da “revolução das noções de espaço e tempo em que o indivíduo se formou” (Ianni, 1997, p.100). Milton Santos (1997) expande esta crítica, mostrando que a autonomia da região foi falseada radicalmente com a internacionalização do capital, tornando claro que “uma região é, na verdade, o lócus de determinadas funções da sociedade total em um momento dado” (M. Santos, 1997, p. 66).
Dialeticamente, surgem fenômenos psicossociais relacionados a esta globalização hegemônica como sua causa e sua consequência, entre os quais podemos citar a ausência de reflexividade nos indivíduos (Habermas, 2003), ou seja, da capacidade para a ininterrupta crítica racional aos pressupostos racionais do conhecimento (Giddens, 1991), que está ligada tanto ao fenômeno do preconceito (Adorno, Frenkel-Brunswick, Levinson, & Sanford, 1950), quanto ao fenômeno do núcleo dogmático-intuitivo (Habermas, 2003). Vinculada a estes fenômenos está uma relação perversa com a ciência por meio da qual outras formas de conhecimento são negadas e destruídas, mas pela qual também não se promove nos indivíduos a capacidade de compreender a produção dos símbolos pela ciência como produção social de cultura, ou seja, como fenômeno histórico.
Simone Weil (1996) considera essa dupla usurpação o principal fenômeno na base daquele tipo especial e grave de doença por ela chamado de desenraizamento. O enraizamento é qualificado por Weil (1996) como “a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana” (Weil, 1996, p. 411), e ela assim o define: “O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro” (Weil, 1996, p. 411). Além de uma dimensão temporal no conceito de enraizamento, expressa por determinada relação com o passado e o futuro, há outra dimensão no enraizamento, que poderíamos por aproximação denominar de “espacial”. É assim que Weil explica o que significa “participação natural”, aquela que “vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão, do ambiente” (Weil, 1996, p. 411, grifo nosso). A inserção na cidade, a recorrência dos ambientes vividos e experimentados, cria um vínculo entre o indivíduo e o lugar que produz enraizamento, mas que pode ser facilmente rompido nas condições sociais contemporâneas: “A vida de um grupo se liga estreitamente à morfologia da cidade: esta ligação se desarticula quando a expansão industrial causa um grau intolerável de desenraizamento” (Bosi, 1994, p. 447).
O presente trabalho deve enfrentar também o problema da relação entre a formação de grupos ou agrupamentos informais e sua constituição como associações civis formalizadas, bem como de sua relação com os fenômenos relacionados à globalização hegemônica. O problema colocase, neste nível, sob o signo da sociabilidade. Scherer-Warren (Scherer-Warren, 2002, pp. 52-54) sugere que a noção de “rede” pode ser proveitosa para compreender os processos de sociabilidade dos movimentos sociais. Para a autora, formam-se redes sociais do cotidiano, que se originam das redes sociais primárias tradicionais, atravessadas por redes virtuais (ligadas às tecnologias da informação), processo este que é responsável pela formação de novas identidades na era da informação. Tais redes são expressão das tradições e das raízes históricas locais da comunidade, e podem cruzar-se com redes sociais construídas no tecido social associativista. Estas últimas são portadoras de utopias de transformação e apresentam caráter propositivo. O movimento social, sob este ponto de vista, estruturase a partir do encontro das redes sociais do cotidiano, que apresentam intensas relações de solidariedade, com as redes sociais associativistas, que apresentam caráter estratégico. Uma associação de bairro ou uma ONG tendem a aparecer no entrecruzamento destas duas formas de redes sociais.
Tal afirmação nos remete ao problema da desmobilização dos movimentos sociais vivido a partir dos anos 1990 no Brasil (Gohn, 2007, pp. 318-319). Com a aproximação entre as lideranças dos movimentos populares e o aparelho de Estado, ocorrida ao longo da redemocratização formal da sociedade brasileira; com a formação de uma rede de ONGs formadas por tais lideranças; e com a criação de programas sociais de parcerias existentes sob a forma de serviços sociais, a abertura de um espaço democrático a ser ocupado por movimentos politizados cedeu lugar a projetos governamentais pensados sob forma despolitizada, como prestação de serviços e não como direitos.
Ao psicólogo social, porém, a questão aqui colocada é a de compreender se as demandas originárias dos grupos primários apresentam marcas significativas de sua territorialidade; se essas marcas indicam a possibilidade de sobrevivência de identidades individuais e coletivas enraizadas numa sociedade crescentemente marcada pelo espaço de fluxos; se tais marcas permanecem durante a aproximação frente às redes associativistas; e se há a possibilidade de permanência quando da aproximação entre esses grupos e os aparelhos de Estado. Em suma, este projeto busca investigar se a motivação para a constituição de grupos populares que surge de demandas locais permite a esses grupos que se articulem de uma maneira mais permanente e autônoma, e até mesmo resistente ao processo de globalização, podendo conduzir à proposição de alternativas à globalização hegemônica, que, neste específico sentido mencionado, poderiam ser consideradas altermundialistas (Agrikoliansky, Sommier, Cardon, & Lévêque, 2005; Tassara, 2005). Este objetivo, de relevância teórica para uma psicologia social dos fenômenos da globalização, geraria um conhecimento sobre relações entre grupos geneticamente vinculados a fortes demandas territoriais e o crescimento de uma originalidade nas manifestações de sua potência de ação (Sawaia, 2002) frente à globalização hegemônica, indicando a existência de formas de enraizamento, ou territorialização da identidade, que indicariam, por sua vez, a permanência da importância dos espaços locais, e que seria reconhecível na constituição identitária enraizada dos participantes de grupos locais, a qual poderia ser investigada através da realização de entrevistas semidirigidas com moradores do quilombo.
O estudo da problemática em pauta será desenvolvido através da realização de um estudo de caso (Yin, 2005) em profundidade, de um quilombo localizado na região do Vale do Ribeira.
O conteúdo das transcrições do desenrolar das entrevistas será objeto de análise tendo em vista chegar-se ao estabelecimento de classes semânticas organizadoras das informações nele contidas, representadas por palavras ou expressões que sintetizem, para os analistas, categorias semânticas relevantes para a caracterização das histórias de vida em função de referências teóricas e conceituais préestabelecidas e derivadas dos próprios testemunhos. Serão orientadores desta busca as temáticas elencadas precedentemente, entre elas: memória, enraizamento, participação, mobilização popular, potência de ação, identidade, espacialização da identidade, território, marginalidade, liminaridade, narrativas identitárias e outras que se fizerem pertinentes ao longo das diferentes fases do estudo. Desta forma, estas dimensões serão construídas ou por meio de ilações teórico-conceituais anteriores (categorias pré-estabelecidas), ou por meio do método de derivação empírica de categorias de análise (Hutt & Hutt, 1974). Este último método será utilizado, conforme referido, abstraindo-se das narrativas oferecidas pelos sujeitos pesquisados, informações consideradas significativas para permitir a discriminação qualificada dos testemunhos.
Em suma, o objetivo deste subprojeto era o de investigar a relação entre enraizamento, espacialização identitária (ou seja, a existência de marcas identitárias significativas vinculadas à interação com o ambiente físico) e participação nas experiências de turismo de base comunitária entre os moradores da comunidade quilombola. Para isso, foram realizadas investigações documentais e observações in loco com a finalidade de 1) identificar as características dos projetos de turismo de base comunitária desenvolvidos na comunidade e 2) identificar padrões de participação dos moradores do quilombo nesses projetos. Em seguida, foram selecionados 18 moradores com alto e com baixo grau de participação nesses projetos e foram realizadas entrevistas semi-estruturadas. Os depoimentos estão sendo transcritos e serão analisados por meio de derivação empírica de categorias de análise. Essas categorias procurarão abarcar os seguintes aspectos das histórias de vida: 1) a história de participação do entrevistado nos projetos de turismo de base comunitária; 2) a expressão de marcas identitárias vinculadas ao ambiente físico da região do quilombo; 3) a expressão de marcas identitárias que indiquem o enraizamento do depoente na sua comunidade. Tem-se por hipótese que a participação nos projetos de turismo de base comunitária é indicativa da existência de marcas identitárias sinalizadoras de enraizamento na comunidade e de forte espacialização identitária, ou enraizamento territorial. Esta investigação visa contribuir, assim, com os estudos que procuram relacionar a preocupação com a temática ambiental ao enraizamento, entendido tanto na dimensão mais ampla do reconhecimento da participação em uma comunidade de destino, quanto na dimensão mais específica do reconhecimento por parte do indivíduo de uma forte vinculação com o território por ele habitado.
Por hipótese, a investigação científica deste assunto por parte de alunos do ensino médio permitiria ao mesmo tempo que eles desenvolvessem conhecimento socialmente relevante sobre sua região e compreendessem o processo estruturado de criação de conhecimento científico em geral.
4. Instrumentos e procedimentos de análise
Podem ser considerados instrumentos deste trabalho as atividades e os recursos utilizados para o desenvolvimento da pesquisa, dos quais participaram diretamente os alunos bolsistas. Entre as atividades realizadas pelos bolsistas, destacamse as seguintes:
•Encontros mensais de orientação, supervisão e treinamento entre docentes USP e membros da equipe do projeto e alunos e docentes Etec/Iguape.
•Visitas monitoradas trimestrais ao Instituto de Psicologia e ao Campus da Cidade Universitária com a realização de seminários e conferências sobre turismo de base comunitária e outros temas do estudo;
•Visitas monitoradas trimestrais às três comunidades anfitriãs de turismo investigadas com realização de observação de campo, entrevistas e apresentação dos resultados obtidos.
•Redação de relatórios contendo as atividades e resultados do projeto e subprojetos e das pesquisas individuais de Pré-IC-USP realizadas.
•Participação nos encontros de orientação, supervisão e treinamento com docentes USP, docentes Etec/Iguape e membros da equipe do projeto;
•Realização de pesquisa bibliográfica e produção de resumos e resenhas de livros, capítulos de livros e artigos sobre os temas de interesse de cada subprojeto;
•Análise dos dados coletados no âmbito de sua pesquisa individual de Pré-IC-USP.
•Redação de relatório sobre as atividades e resultados de sua pesquisa de Pré-IC-USP.
•Apresentação dos resultados de sua pesquisa de Pré-IC-USP na Etec/Iguape, comunidades anfitriãs de turismo e Instituto de Psicologia.
Considerando que o objetivo fundamental deste trabalho, além da produção de conhecimento sobre as comunidades estudadas, é incentivar e promover o ensino de ciências entre jovens do ensino médio, por meio de sua participação como pesquisadores em um projeto na área de Psicologia e considerando que todas as etapas científicas da pesquisa foram desenvolvidas diretamente pelos bolsistas, que discutiram e decidiram sobre todos os procedimentos investigativos, incluindo as estratégias de coleta, sistematização e análise dos dados; conclui-se que os resultados desta experiência serão satisfatórios se os jovens participantes tiverem sido capazes de levar a cabo uma investigação que corresponda às exigências do método científico e se os dados e as análises produzidas por esta investigação efetivamente contribuírem para a compreensão de seu objeto de estudo, qual seja, das experiências de turismo de base comunitária no Vale do Ribeira e, especificamente no caso deste subprojeto, no quilombo em referência. Posteriores estudos sobre os impactos da participação dos bolsistas nesta experiência serão realizados, após o término do projeto, por pesquisadores a ele ligados.
5. Resultados parciais
Até o momento, foram cumpridas a primeira e a segunda etapas da pesquisa, correspondentes: à pesquisa bibliográfica e documental sobre os temas em estudo e as comunidades pesquisadas (meses de setembro de 2011 a abril de 2012); à observação preliminar das comunidades, com vistas à seleção de potenciais entrevistados e à descrição inicial do contexto da pesquisa (abril de 2012); à coleta das entrevistas e demais dados de pesquisa (junho de 2012). A terceira etapa da pesquisa, correspondente à transcrição e análise das entrevistas, já foi iniciada, mas não apresenta ainda resultados suficientes para a análise.
5.1. Pesquisa bibliográfica e documental
O grupo ligado ao subprojeto em referência era composto por 8 alunos dos cursos de Meio Ambiente, Agropecuária, Informática, Turismo Receptivo, sendo 3 homens e 5 mulheres, com idade média de 17 anos, além de um colaborador bacharel em Direito. Este grupo realizou reuniões semanais com a supervisora, Alessandra Blengini Mastrocinque Martins, com duração de 1 hora e 30 minutos. Foi necessário para a supervisora dividir os alunos em dois grupos, em virtude de haver alguns alunos estudando à noite e alguns alunos estudando durante o dia.
Os procedimentos adotados para a primeira parte da pesquisa foram decididos em conjunto por orientadores e supervisores. Optou-se desde o início por privilegiar a participação dos alunos em todas as etapas do processo de pesquisa, permitindo, sempre que possível, que as questões a serem investigadas, os temas estudados e as tarefas definidas surgissem como decorrência do contato entre alunos e professores, privilegiando os temas em relação aos quais os próprios alunos demonstrassem interesse. As reuniões semanais com os alunos neste subprojeto sempre iniciavam-se pelo relato, por parte dos alunos, das informações por eles obtidas durante a semana a respeito de um tema previamente elencado. A partir desses relatos, levantavam-se questões sobre o tema, que eram debatidas e geravam novas perguntas, de onde surgiam tarefas a serem completadas durante a semana. Todas as reuniões eram registradas por meio de ata, enviada semanalmente à supervisora.
Esta forma de trabalho derivava de procedimento acordado em reunião coletiva entre todos os professores (orientadores e supervisores) e que se estruturou a partir de dois tipos fundamentais de atividades:
Atividade 1- Índice Inicial - Identificar os conhecimentos prévios dos alunos sobre a região (território e história), a ou as comunidades pesquisadas, turismo na região, turismo de base comunitária e turismo na comunidade alvo da pesquisa. As informações deveriam ser agrupadas por aluno (individualmente) e depois por subprojeto de acordo com os temas levantados (economia, história, geografia, cultura e etc.)
Atividade 2- Índice Formativo - O aluno deveria formular questões exploratórias, como por exemplo: “O que eu gostaria de conhecer sobre a comunidade e sobre o tema do subprojeto”? O supervisor deveria então auxiliar os alunos no refinamento das perguntas, com sugestões que permitissem avançar na aquisição de informações e conhecimento sobre as comunidades (“Quais fontes e quais métodos de pesquisa para responder essas perguntas?”, por exemplo).
Nas reuniões foi feito o levantamento dos interesses dos alunos em relação ao projeto e à área profissional, baseado nas seguintes questões;
1. O que eu sei sobre o Vale do Ribeira? O que nós sabemos sobre o Vale do Ribeira?
2. O que eu sei sobre o Quilombo?
3. O que é Turismo de Base Comunitária?
4. O que vocês gostariam de saber sobre o Quilombo?
Muitos alunos, por serem moradores da região, traziam conhecimento escolar ou empírico, sistemático ou assistemático sobre a região e partilharam suas impressões, informações e julgamentos com seus colegas. As falas dos alunos foram registradas por escrito e posteriormente organizadas para permitir sua análise e subsidiar os passos seguintes da pesquisa. As respostas dadas pelos alunos à primeira pergunta, por exemplo, foram classificadas com base na temática à qual se referiam, gerando o seguinte conjunto de temas: meio ambiente (“há uma grande biodiversidade/ região de grande importância ecológica”, “a região é considerada o ‘pulmão’ do Estado de São Paulo”, por exemplo); atividades econômicas (cultura de banana e de palmito pu- punha; artesanato; turismo); cultura (tradições da comunidade quilombola, como música e dança); sociedade (região mais pobre do estado de São Paulo); e História (região mais antiga do Brasil). O mesmo se deu com as respostas às demais perguntas.
Considerando que estreitar seus vínculos com o ambiente acadêmico era parte dos objetivos fundamentais do programa de Pré-IC-USP, os aluobtidas e para sistematizar as dúvidas do grupo em relação ao quilombo. Houve também reuniões com os coordenadores e professores da USP, em que os alunos puderam discutir e apresentar as atividades já executadas.
O projeto passou a contar, ainda no ano de 2011, com um site próprio, usado tanto como ferramenta de divulgação, quanto de integração dos participantes e troca de informações sobre o andamento do trabalho.
Os bolsistas também discutiram em conjunto com a professora supervisora a relação entre as categorias fundamentais da pesquisa (território, identidade e participação) e temas levantados durante as discussões preliminares e as leituras realizadas. Cada uma das questões propostas pelos alunos foi associada a uma das categorias ou a um conjunto de categorias e foram discutidas as formas mais adequadas para a realização das coletas de dados que permitiram respondelas. Assim, temos como exemplo o seguinte conjunto de categorias, questões e procedimentos conectados (Tabela 1): nos foram incentivados a pesquisar informações sobre a USP através do sítio eletrônico da universidade e ajudar assim no planejamento da visita à universidade, ocorrida posteriormente.
Após extensiva pesquisa documental, foram realizadas reuniões técnicas para discutir as informações
Tabela 1
Categorias, questões e procedimentos de coleta propostos pelos alunos
Estas questões orientaram, posteriormente, a elaboração dos instrumentos utilizados para a coleta de dados na comunidade.
Por fim, os alunos, buscaram conceituar as categorias fundamentais da pesquisa utilizando os textos selecionados para leitura e as discussões realizadas em grupo. É interessante notar que, como se pode ver abaixo, os alunos esforçaram-se por adaptar os conceitos elaborados ao contexto específico da pesquisa. Se tomarmos o conceito de território, por exemplo, notamos que, após uma definição que recorre a um elevado grau de abstração (“É um espaço de ocupação destinado à convivência que engloba localização, participação e história de uma comunidade”), os alunos procuraram operacionalizar o conceito, vinculando aos elementos empíricos relevantes para a pesquisa (“é o local onde os quilombolas moram, vivem e tiram seu sustento”):
• Território: é o meio ambiente em que uma determinada comunidade pratica suas atividades econômicas e culturais, constrói seu meio de vida/renda e habita. É uma área delimitada onde se ergue algo físico em que se pode viver ou fazer qualquer outra atividade, sozinho ou em conjunto. É um espaço de ocupação destinado a convivência que engloba localização, participação e história de uma comunidade e também onde encontram-se pontos turísticos. Esse é o local onde os quilombolas moram, vivem e tiram seu sustento.
• Identidade: É um conjunto de valores, crenças e pensamentos que determinada pessoa considera certo e segue. A cultura que cada um possui, como age, como se comporta e o modo de vida do povo quilombola. A história da comunidade e a identificação desta diante de outros grupos. A opinião dos jovens e adultos quilombolas perante a sua cultura e a sociedade globalizada.
• Participação: É o ato de fazer algo em conjunto, colaborar em alguma atividade, fazer parte do dia-a-dia da comunidade. É a organização do grupo, a distribuição das atividades, idéias feitas em conjunto, divisão do dinheiro e o trabalho realizado para ninguém fazer nada sozinho. Todos ajudam a decidir e participam para o bem de toda a comunidade. É a luta do jovem para um bem comum, pois é este que assegurará o futuro do quilombo.
5.2. Observação preliminar das comunidades
O projeto previa a realização de uma visita técnica de reconhecimento ao quilombo, em que os alunos poderiam conversar informalmente com os moradores, colher algumas impressões iniciais sobre o contexto socioambiental e realizar, coletivamente, uma entrevista com o líder da associação comunitária local. Apesar de esta atividade já estar prevista desde o início da pesquisa, seu conteúdo foi decidido em conjunto com os bolsistas. A partir das discussões realizadas e do levantamento documental e bibliográfico feito pelos alunos, foram elaboradas algumas diretrizes para esta observação preliminar, indicando os aspectos da vida comuni- tária que deveriam ser evidenciados pelos alunos. Assim, os alunos deveriam, prioritariamente:
• Identificar as pessoas (listar nomes) que poderiam ser entrevistadas pelos alunos, entre os líderes, jovens, adultos, idosos envolvidos e não envolvidos diretamente com turismo.
• Observar a divisão de tarefas, funções/ocupação dos adultos, idosos, jovens, mulheres, homens e crianças.
• Observar a estrutura do bairro (Sede da associação de bairro, escola, áreas de lazer, saúde, limpeza, entre outros).
• Observar se os moradores parecem satisfeitos/felizes com o modo de vida deles.
• Verificar a estrutura e organização do turismo no bairro (pousada comunitária, loja de artesanato, alimentação, entre outros).
• Verificar o número de pessoas que trabalham com turismo e também nas outras atividades produtivas (como banana, palmito) para comparação.
Os alunos visitaram o quilombo e interagiram com os moradores, registrando suas impressões iniciais a respeito dos aspectos a serem observados e buscando produzir relatórios que vinculassem a descrição das interações realizadas com os sentidos percebidos dessas interações. Um desses relatos, por exemplo, aponta para uma divisão do trabalho entre gêneros na comunidade:
Dentro da estrutura de turismo, observou-se que na cozinha somente mulheres trabalham, nas demais funções a participação é mista, homens e mulheres. As crianças não trabalham no quilombo, pois, segundo T., eles respeitam a lei que orienta que crianças não devem trabalhar. Nos pareceu que os idosos trabalham, inclusive com turismo, pois um dos monitores é um senhor de 54 anos e algumas cozinheiras são senhoras, mas verificaremos isso na próxima visita. Em um dado momento da explicação sobre o bananal, T. falou que cada família tem o seu bananal, nos levando a crer que homens, mulheres, jovens e idosos dessa família trabalham nesta atividade. Não foi visto nenhum jovem trabalhando com as atividades turísticas neste dia, inclusive, foram vistos pouquíssimos jovens.
Essas primeiras observações permitiram aos alunos refletir sobre a mais adequada escolha dos entrevistados. Notouse que os idosos poderiam constituir um grupo de interesse para o projeto, da mesma forma que os jovens, pois aventou-se a hipótese de que foram vistos poucos jovens no quilombo pois eles preferiam trabalhar na cidade. Da mesma forma, as primeiras observações permitiram obter um conjunto relevante de dados sobre a comunidade que subsidiaram as discussões do grupo e orientaram a elaboração do instrumento para a realização da entrevista.
5.3. Coleta das entrevistas
A coleta das entrevistas realizou-se por meio de instrumento elaborado pelos alunos, em conjunto com a supervisora e com o orientador, cujos itens derivaram das discussões realizadas pelos alunos e professores em grupo, das leituras e pesquisas documentais e da visita técnica ao quilombo. Inicialmente, o grupo havia decidido por uma amostra de moradores que considerasse a idade do morador, o gênero e a participação em atividades de turismo. Assim, a proposta inicial previa uma matriz como a apresentada na Tabela 2, totalizando 16 entrevistados:
Tabela 2
Escolha amostral inicial para as entrevistas a serem realizadas no quilombo
Após a primeira visita, os pressupostos subjacentes a esta seleção foram questionados pelos alunos, tendo em vista a grande influência dos líderes comunitários na organização do quilombo, o papel pouco claro desempenhado pelos jovens na dinâmica comunitária e a presença dos idosos nas atividades de turismo, o que não havia sido antecipado pelo grupo de pesquisa. A seleção amostral proposta pelos alunos foi a seguinte:
• 3 Lideranças
• 20 Jovens (10% dos jovens)
• Pessoas que atuam diretamente com turismo
• Idosos
Considerando a necessidade de controlar algumas características dos entrevistados, como o gênero, decidiu-se por retomar parcialmente a distribuição amostral anterior e tentar respeitar um número paritário de homens e mulheres, incluir no grupo de adultos um número semelhante de idosos e não-idosos, observar que indivíduos que trabalhavam diretamente com turismo (em contrapartida a agricultores, por exemplo, que apoiavam indiretamente esta atividade) fossem preferidos como “participantes”, além de somar a este grupo de aproximadamente 16 pessoas, 3 lideranças comunitárias. Também foram elaborados 4 instrumentos para subsidiar a realização das entrevistas, voltados para os seguintes grupos: jovens, idosos, participantes de atividades turísticas e lideranças. Entrevistados que combinassem mais de uma dessas características responderiam a perguntas oriundas de mais de um instrumento. Estes instrumentos foram aplicados a colegas da própria escola pelos alunos, com o objetivo de verificar se as questões eram compreensíveis e produziam o tipo esperado de resposta, e também foram aplicados, com os mesmos objetivos, a moradores do município de Iguape, escolhidos aleatoriamente entre transeuntes da região central da cidade. As respostas indicaram que os entrevistados eram capazes de compreender adequadamente os itens do instrumento e responder coerentemente com os objetivos da pesquisa.
As entrevistas no quilombo foram coletadas durante uma visita ao local, com duração de dois dias, na qual o grupo de pesquisa, incluindo todos os subprojetos envolvidos (totalizando mais de 60 pessoas), hospedou-se na pousada gerida pela associação de moradores e interagiu com os quilombolas em situações, tanto quanto possível, próximas de suas vivências cotidianas.
Muitas entrevistas foram conduzidas por grupos de estudantes, em muitos casos compostos por integrantes de diferentes subprojetos. Muitos entrevistados apresentavam características que os tornavam figuras de interesse para diversos subprojetos, mas a realização de mais de uma entrevista com o mesmo informante não era recomendável por significar um desgaste excessivo para estes moradores, que, em muitos casos, responderiam inúmeras vezes às mesmas perguntas. Assim, optouse por realizar as entrevistas em conjunto, criando-se critérios para a sequência de perguntas e recomendandose que os alunos se mantivessem atentos às perguntas dos colegas a fim de adaptarem suas próprias perguntas ao contexto da entrevista. Note-se que este mesmo procedimento foi utilizado nas duas outras comunidades investigadas. Foram entrevistadas 18 pessoas, sendo 11 homens, com idades variando de 14 a 71 anos, ocupações variadas e tempo de permanência no quilombo variando de 6 a 78 anos.
As entrevistas foram gravadas e transcritas ou anotadas e digitadas para permitir a organização de um banco de dados. É importante ressaltar que foram obedecidos todos os procedimentos éticos cabíveis, incluindo a garantia de anonimato e o direito de solicitar alterações nas informações coletadas.
Os resultados dessas entrevistas, como já dito, estão sendo analisados neste momento por meio de derivação teórica e empírica de categorias de análise e subsidiarão a criação de classes semânticas que permitirão organizar as informações nelas contidas.
6. Considerações finais
O presente trabalho teve por objetivo descrever uma experiência de ensino de pesquisa em Psicologia para alunos do ensino médio brasileiro, que objetivou estimular a aprendizagem dos princípios e da metodologia científicos de produção de conhecimento e contribuir para a superação dos problemas identificados nesta fase do ensino brasileiro. Para isso, apresentou as características do programa de Pré-Iniciação Científica da USP e os seus objetivos, bem como apresentou e descreveu o projeto “Experiências de Turismo de Base Comunitária no Vale do Ribeira/ SP” e o subprojeto “Identidade, Território e Participação: um estudo psicossocial sobre a experiência de turismo de base comunitária no quilombo Ivaporunduva, Vale do Ribeira/SP”. Em seguida, descreveu as etapas da pesquisa e mostrou como se deu a participação dos alunos nas decisões relativas às estratégias de pesquisa e na elaboração de conceitos e procedimentos que posteriormente foram realizados no campo, com a colaboração da supervisora da ETEC de Iguape e do orientador do IP-USP.
Considerando que o objetivo fundamental deste projeto, naquilo que se refere a sua intersecção com o projeto de Pré-IC-USP, situavase no ensino de ciências para alunos do ensino médio, a avaliação desta experiência, sob tal perspectiva, deverá incluir critérios para a mensuração do progresso dos alunos na compreensão de como se dá contemporaneamente a produção de conhecimento nas instituições científicas. Conquanto a métrica desta avaliação não seja precisa, e um estudo sobre o ganho acadêmico para os alunos advindo de sua participação neste trabalho esteja sendo iniciado, podemos considerar como um critério preliminar o desempenho dos alunos durante a realização da pesquisa e os resultados obtidos pela própria investigação. Isto porque os alunos estiveram ativamente envolvidos em todas as etapas do trabalho e definiram, juntamente com a supervisora e o orientador, toda a estratégia metodológica da pesquisa. Procuraram apropriarse de e refinar os conceitos que subjazeram à pesquisa, definiram as questões que depois procuraram responder por meio da investigação empírica, elaboraram os instrumentos aplicados durante as entrevistas, projetaram as estratégias para o estabelecimento de contato com os informantes, enfim, definiram lar- gamente os rumos da pesquisa.
Desta forma, os resultados alcançados por meio desta investigação são resultado direto do esforço consciente destes alunos e não é incorreto afirmar que a qualidade destes resultados deve ser proporcional ao grau de compreensão dos próprios alunos a respeito dos fundamentos da atividade científica. Sob esta perspectiva, uma avaliação prévia do sucesso ou fracasso desta experiência pode ser feita tendo como base os resultados do próprio trabalho realizado.
Até o presente momento, o que se observa é que foram cumpridas as etapas esperadas de uma investigação científica, tanto no que se refere ao rigor no trato com os conceitos, quanto no cuidado ao relacionálos sem retirálos de seu contexto argumentativo e na preocupação em articulálos logicamente com problemas de pesquisa que depois geraram procedimentos rigorosos de coleta de dados empíricos junto ao grupo pesquisado. Não se pode ainda discorrer sobre o conteúdo obtido por meio desta pesquisa, pois este material encontra-se ainda em processo de análise. Mas caberia argumentar que, mesmo que os resultados obtidos não permitam produzir conhecimento cientificamente relevante sobre o quilombo estudado, a descrição aqui apresentada indica que os alunos compreenderam o tipo de busca que orienta o trabalho de pesquisa e se conduziram, de modo geral, como participantes de um grupo de pesquisa científica.
Este achado pode ser interessante, se o considerarmos do ponto de vista pedagógico, pois pode indicar uma reestruturação na relação dos alunos com o conhecimento científico, passando de consumidores dos produtos tecnológicos advindos da aplicação deste conhecimento –o que pode estabelecer uma relação alienada entre o consumidor e o locus social da sua produção– para produtores deste conhecimento, o que os capacitaria, em princípio, para realizar a crítica racional dos fundamentos deste conhecimento, condição essencial para a conquista de autonomia intelectual nas sociedades ocidentais. Além disso, e como complemento a este reflexão, esperamos que este tipo de experiência proposto pelo programa de Pré-IC-USP possa capacitar os alunos para uma compreensão do tipo de compromisso intelectual que se espera no ensino superior, estimulandoos a buscar a continuidade de seus estudos e tornandoos capazes de superar as dificuldades que muitos jovens enfrentam ao adentrarem as universidades.
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