DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO: ESTUDO DE CASO SOBRE ANSIEDADE E DEPRESSÃO EM TRABALHADORES BRASILEIROS
Alfredo Assunção
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
Apesar de existirem diversificadas perspetivas teóricas a defenderem as desvantagens do trabalho terceirizado para a saúde mental, a investigação empírica não tem sido conclusiva, existindo estudos que comprovam a desvantagem para estes trabalhadores, outros que, pelo contrário, refutam esta ideia e outros ainda que não encontraram diferenças. Nesta investigação analisamos algumas condições de trabalho (i.e., overqualification, insegurança de emprego, discriminação social, empregabilidade) e a sua relação com a saúde mental dos trabalhadores em regime de outsourcing, numa amostra que inclui trabalhadores do Brasil. Avaliamos a saúde mental através do questionário-GHQ28 e analisamos as consequências psicopatológicas de algumas das condições deste novo formato de emprego. Com os resultados deste estudo, contribuiremos não só para uma melhor compreensão do trabalho em regime de outsourcing e as suas implicações para a saúde mental dos trabalhadores, como também para a práticas da gestão destes trabalhadores, por forma a promover uma melhoria nas suas condições de trabalho.
Palavras Chave: Psicologia do Trabalho; Saúde Mental; Processos de outsourcing
Abstract
Although there are diverse theoretical perspectives defending the disadvantages of contingent work for mental health, empirical research has not been conclusive, there are studies that prove the disadvantage for these workers, others who, on the contrary, refute this idea and others even if they do not found differences. In this research we intend to analyze several working conditions (i.e., overqualification, job insecurity, social discrimination, employability) and their relationship with the mental health of outsourced workers, in a sample that includes workers from Brazil and Portugal. We evaluated mental health through the GHQ28 questionnaire and intend to analyze the pathological consequences of some of the conditions of this new employment format. With the results of this study, we will contribute not only to a better understanding of outsourced work and its implications for workers' mental health, but also to the management practices of these workers, in order to promote an improvement in their working conditions job.
Key Words: Work Psychology; Mental health; Outsourcing Processes
Introdução- O trabalho no contexto globalizado
Entendendo que o mercado de trabalho é parte integrante de um constructo racional entre economia e política, onde, temos imposto a razão econômica sobre a política, podemos iniciar uma discussão a cerca de como experienciamos uma guerra econômica globalizada, cujo o resultado seria vislumbrar um crescimento econômico do possível vencedor, pois perfazer este processo seria a melhor maneira de garantir a autonomia e sobrevivência das organizações e das nações como um todo. De acordo com Mészaros (2004) a justificativa do mercado em controlar e modificar as práticas de gestão e o modo de funcionamento das empresas e organizações, dizem diretamente sobre a governança destes, e o seu modo de atuar e regular-se, tendo como um dos principais desdobramentos a vida dos trabalhadores e dos demais cidadãos.
De acordo com Antunes (2002) podemos discorrer que as transformações observadas no mundo do trabalho contaminaram as práticas políticas e as formas de representação sindical, com profundas repercussões na subjetividade dos trabalhadores. Distinguir essas relações como algo que perpassa os diversos âmbitos da vida destes sujeitos, e, identificando o trabalho como o principal dispositivo de ligação de sentido de vida (identidade) e dos processos de subjetivação, podemos dizer que o poder e o controle possuem ferramentas capazes de moldar a existência destes sujeitos. Entendemos que no contemporâneo existem diferentes formas de viver e de se organizar do trabalho pois, de acordo com Antunes (2009) novas formas de capturas da organização do trabalho irão trazer em seu bojo a flexibilização, o desemprego, a precarização e, por conseguinte seus inúmeros efeitos nas/com as relações do trabalho e nos seus processos, caminhando para uma fragilidade e fragmentação dos laços ético-solidário[1], reduzindo a confiança e potencializando a sensação de insegurança e individualismo. Este modo de trabalhar que se apresenta como capitalismo neoliberal[2], irá perseguir um esfacelamento dos coletivos e das resistências, produzindo trabalhadores mais alienados e anestesiados, prontos a “contribuir” com as demandas da instituição. Dejours (2007) menciona que a produção de solidão e silenciamento encontrados nos ambientes do trabalho servirão para diagnosticar formas distintas de sofrimento e adoecimento mental.
De acordo com Assunção-Matos e Ribas (2018) o trabalho encontra-se atrelado diretamente a uma esfera subjetiva que torna-se capaz de transformar a vida dos sujeitos - entendendo que esta esfera central da vida é parte constituinte destes sujeitos e que, consequentemente, o trabalho também será de certo modo influenciado por tais transformações. Segundo Susanne e Maike (2018) é necessário atentarmos para o binômio das relações entre organizações e empregados pois, essa discussão é inadiável devido sua urgência e às mudanças sofridas constantemente pelo próprio contexto globalizado do trabalho, uma vez que o mercado tem adotado estratégias que visam cada vez menos a existência de segmentos diferenciados que tendem a discriminar trabalhadores com a mesma função e que experienciam modelos de contrato diferente em si.
Quando pensamos os trabalhadores temporários/terceirizados inseridos em um contexto mercadológico global, podemos observar e identificar quais consequências individuais estes trabalhadores enfrentam, seja pelo campo do próprio trabalhar quanto pela sua saúde mental. Nesta artigo, iremos atentar o lugar deste trabalhador enquanto sujeito estigmatizado e socialmente entendido como um trabalhador sem status e/ou experenciando situações de discriminação.
Discriminação no trabalho
Para tanto, um dos objetivos deste estudo é levar em consideração questões relacionadas a discriminação no campo do trabalho. De acordo com Boyce, Ryan, Imus & Morgeson (2007) a estigmatização e a possível discriminação sofrida por estes sujeitos, ocorrem de diferentes modos, podendo resultar em efeitos subjetivos velados ou até mesmo experiências mais ostensivas, pois acredita-se que o trabalhador contingente deriva-se de uma ausência de status, diretamente relacionada à forma como o trabalho é organizado, fazendo com que o processo de estigmatização tenha um maior fundamento - este atributo seria intratável, imutável, diferentemente de cargos, funções ou algo do tipo.
Identifica-se também que além do status existe uma outra variável diretamente ligada com o fator da discriminação nas organizações, seria o senso de Justiça. De acordo com Colquitt, Scott, Rodell, Long, Zapata & Conlon (2013) existem pesquisas que referenciam um determinado senso de justiça nas organizações e que centradas no modo como os trabalhadores percebem-se quanto à forma de tratamento dos demais. Enoksen (2016) irá dizer que a pesquisa que visa identificar a justiça organizacional é importante para auxiliar a percepção do trabalhador nos processos discriminatórios em seu local de trabalho, porém irá considerar que não existe uma única forma de conceituar a justiça organizacional, portanto, o senso de justiça parte de um processo muito subjetivo do sujeito. Reforça ainda que caso o trabalhador entenda que a justiça organizacional é baixa ele irá sentir um maior nível de discriminação no ambiente de trabalho.
A temática das relações sociais tem sido cada vez mais estudada quando abordamos a questão do bem-estar dos trabalhadores nas organizações, pois os auxilia na produção de um menor sentimento discriminatório e uma maior noção da sensação de pertencimento. De acordo com Enoksen (2016) alguns dos fatores que podem ser considerados positivos neste processo são: integração social, redes sociais, laços/apoio social, pois, além de produzirem tais efeitos, auxiliam diretamente no bem-estar nos trabalhadores.
Diferença entre Terceirização e Trabalho Contingente: evidências de um crescimento globalizado
Um dos objetos deste estudo foi pesquisar uma modalidade específica de contratação de trabalhadores em Portugal que melhor se assemelha a forma de contratação do trabalho em regime de terceirização no Brasil. Em Portugal, esta modalidade de contratação ocorre através das agências temporárias de emprego (TAW), que por conseguinte contratam trabalhadores denominados de temporários de agência e que vêm suprindo uma demanda atual do mercado de trabalho europeu por mostrar-se uma modalidade mais flexível de contratação além de auxiliar na melhoria de indicadores como o desemprego e o turnover. De acordo com Batista e Chambel (2016) e Lopes (2018) esta modalidade de emprego é uma das formas de se contratar trabalhadores contingenciados e inseri-los no mercado de trabalho.
Segundo os autores De Cuyper et al. (2008); Lopes e Chambel (2016) o trabalho temporário tem crescido em toda a UE e cada vez mais volta-se pesquisas direcionadas para o trabalhador contingente. Lopes e Chambel (2016) descrevem que estes formatos de trabalho resultam em consequências diretas na qualidade de vida e na saúde ocupacional destes trabalhadores.
De acordo com a WEC (2017) a quantidade de trabalhadores temporários de agência diferem-se segundo a geografia do país. na Europa apura-se que 1,8% do total da força de trabalho que se encontra inserida nesta modalidade de contratação. Foi identificado que apesar da melhoria na taxa de desemprego existe uma excessiva desigualdade de renda entre a população, produzindo diferenças sociais e por conseguinte, modificando a oferta do emprego no país. Conforme afirmou a WEC (2017) dos trabalhadores que optam pela contratação por agência, cerca de 30% estavam desempregados e com o passar do período de contrato somente 11% voltam a desempregar-se. Outro ponto importante a destacar é a saúde financeira das empresas que contratam os trabalhadores de agência, pois, em 2017 tiveram em média um aumento de 5% em seu faturamento global e lucraram mais de 3 bilhões por ano (CIETT, 2015)[3].
De acordo com o CIETT (2015) o trabalho temporário de agência (TAW) também pode ser identificado como sendo uma forma de criação de emprego e também de flexibilização da gestão de RH. Até o presente momento não existe uma definição única para conceituarmos estes de trabalhadores. Para tanto, esta forma de contratação possui uma relação de emprego tripartia ou triangular de acordo com Lopes (2016) conforme destaca (i.e. a organização “A” contrata a empresa “B” – que é uma TAW- e gera uma demanda específica por um perfil profissional, o “trabalhador”, que por sua vez irá prestar serviço na empresa “A”). Na teoria são empresas contratando trabalhadores contingentes, na prática a empresa que contrata uma TAW remunera e exerce um poder de delegar, disciplinar e direcionar o modo como este trabalhador irá ocupar-se no dia a dia. Lopes (2018) reitera sobre esse modo de contratação ser bastante complexo e necessita de esforços conjuntos das empresas, pois tem se tornado cada dia mais comum.
No Brasil, se pensarmos o regime de terceirização, muitas são as funções e os conceitos que se dizem a respeito, e por conta disso, este fenômeno mercadológico se encontra acessível e sendo utilizado por empresas e organizações de forma demasiada (ASSUNÇÃO-MATOS E RIBAS, 2018). De acordo com Mészáros (2004) no mundo contemporâneo aumenta a classe trabalhadora que esta sob o regime do contrato terceirizado ou temporário e segundo Assunção-Matos, Bicalho (2016) é importante que na discussão desta pauta seja aludida à terceirização como sendo um possível regime de contratação que está de encontro com situações trabalhistas mais vulneráveis e que assumem outros contornos, submetendo o trabalhador a tornar-se mais flexível, dinâmico e polivalente.
O trabalho em regime terceirizado no Brasil ocorre de modo diferente ao de Portugal, principalmente na forma da contratação do trabalhador. Uma grande diferença se dá pelo fator legislativo, porém o que é entendido no Brasil como trabalho terceirizado, na prática ocorre de forma semelhante em Portugal por uma outra via de contratação. No Brasil não é comum agências temporárias de emprego (TAW), o que ocorre são empresas (em geral de médio/grande porte) de Recrutamento e Seleção- R&S ou Head Hunters que buscam determinados perfis de profissionais para encaixarem em cargos nas empresas cliente, que por sua vez serão contratados diretamente por estas empresas ou por empresas terceirizadas.
Ao analisar essas diferenças, Assunção-Matos (2016) afirmou que no Brasil estão sendo criadas cada vez mais empresas que utilizam a prática da terceirização, e portanto oferecem ao mercado serviços especializados, enquanto em Portugal e na UE, Lopes (2018) descreve que existe um crescimento de empresas temporárias de emprego, que se assemelha às contratações que ocorrem no Brasil. Podemos identificar algumas considerações gerais quanto a modalidade de ambas as formas de contratação, pois Chambel et. al. (2015) apuraram e concluíram que a forma como os trabalhadores contingentes irão se relacionar e se dedicar à empresa irá depender diretamente do tipo e do setor ao qual ela esta inserida e, caso haja, por parte do trabalhador uma identificação com algum tipo de investimento da empresa para com ele, o mesmo tende a relacionar-se melhor e engajar-se mais avidamente ao trabalho.
Acredita-se que para entendermos de modo apropriado a forma como estes tipos de contrato de emprego vem ocorrendo, é importante identificarmos e analisarmos como a legislação portuguesa e brasileira vem trabalhando em prol desta questão.
Revisão sistemática
A investigação dos textos deu-se através do portal de periódicos da CAPES. A busca inicial realizada correlacionou as temáticas de discriminação no trabalho, terceirização, trabalhadores temporários de agência e saúde mental (ansiedade e depressão). A princípio não identificou nenhum artigo, tese ou trabalho acadêmico que englobasse a articulação conjunta das temáticas, o que justifica portanto uma discussão do objeto e consequentemente a demanda deste trabalho. O protocolo de seleção compreendeu critérios de inclusão em estudos primários, quantitativos e empíricos com termos definidos (descritos abaixo), cujo o lapso temporal coberto foi de 1999 a 2019, nos seguintes idiomas: Inglês, Francês, Alemão, Espanhol e Português, e o tipo de documento contemplado foi: artigo, teses, anais, livros e capítulos de livros e foi realizado em Maio de 2019.
Por conta desta ausência de pesquisa na área, faz-se necessário o estudo de demais variáveis a fim de confrontar e reportar ao campo da ciência psicológica como deriva-se determinados desdobramentos dos processos de investigação, levando em conta que fatores como discriminação e saúde mental são aportes direto a uma vida saudável destes trabalhadores. A partir da revisão sistemática através de amostras em estudos empíricos baseados na possibilidade de haver discriminação com trabalhadores contingentes, transversalizamos os seguintes strings para esta revisão sistemática:
Saúde mental – porque ela afeta o mundo do trabalho
Pretendemos atráves deste texto análisar sobre o lugar do trabalho na vida dos sujeitos e dizer sobre a abrangência deste tema que permeia uma construção cognitiva do modo de ser, de socializar, de viver e de experienciar o trabalhar, assentindo a este sujeito uma possibilidade de usufruir de suas aptidões psíquicas e expressá-las de modo genuíno, propiciando um modelo psíquico estável/equilibrado ou afecções patológicas.
Para iniciarmos a discussão sobre o que é saúde, é importante pensarmos o seu papel social e como a sua promoção tem se dado. De acordo com Furtado, Szapiro (2012) existem variados atores sociais que ao longo dos anos veem discutindo esta temática tanto no contexto empírico quanto na teoria, visando delimitar e/ou criticar os conceitos que a circundam, realizando uma possível identificação na sociedade ocidental sobre a existência de uma máxima que refere-se diretamente ao modelo de vida saudável a partir de uma prática individualizada (i.e. cada um de modo privativo é responsável pela manutenção e melhoria da sua saúde).
Para Canguilhem (2009) e Furtado, Szapiro (2012) a saúde esta muito além do que ausência de enfermidade ou doença, ela envolve diversos aspectos da vida dos sujeitos. Segundo Bojart, (2004) é necessário pensar a questão da saúde como sendo uma política pública compreendida em seu bem estar: físico, mental e social e deve ser pensada como não apenas ausência de doença, mas sim como uma questão de bem-estar mais complexa.
Canguilhem (2009) irá trabalhar o conceito de saúde atrelado ao que ele considera sendo os processos de normatização da vida. Em seu texto “O Normal e o Patológico” o mesmo refere-se que “uma norma, uma regra, é aquilo que serve para retificar, pôr de pé, endireitar. Normar, normalizar é impor uma exigência a uma existência” (p. 211). A partir desta noção de normalização podemos pensar que o modelo atual de saúde nos convida a ser e existir de um modo igual (i.e. exigências com corpos e alimentação saudáveis e uma prática continua de bons hábitos e atividades físicas) inserindo todos os sujeitos em um único estilo de vida- o saudável. O conceito trazido por Foucault (2008) no qual diz que a definição de saúde/doença não esta propriamente ligada somente a classe médica, mas sim como uma forma de exprimir um discurso de controle sobre os corpos, que possui uma “gramática própria” e que de acordo com Canguilhem (2009) é a partir de fenômenos anormais que este controle irá se justificar, porque se avaliarmos historicamente o campo da saúde deparamos com dispositivos de controles capazes de valorizar o que se encontra somente dentro das normas, dentro do conjecturado, ou seja, a norma só se sustenta porque há padrões que fogem à sua regra.
A principio o conceito de saúde mental esta inserido dentro de um conceito maior de saúde com outros dispositivos que são capazes de produzir no sujeito saúde ou doença. A existência de um desequilíbrio no ambiente onde o sujeito vive e trabalha pode ser considerado um dos principais fatores que desencadeiam as doenças psicológicas (Bojart, 2004). Devemos pensar que o discurso médico atual sobre práticas de saúde, ultrapassa os consultórios e hospitais, exercem um discurso sanitarista e produz um desejo de consumo por medicamentos, procedimentos estéticos e a busca por uma beleza saudável, que auxilia a manutenção do capitalismo em seu fim (Furtado, Szapiro, 2012).
Segundo Bojart (2004) a Saúde Mental no Trabalho é uma área de conhecimento, “cujo propósito é o estudo da dinâmica, da organização e dos processos do trabalho, visando à promoção da saúde mental do trabalhador, por meio de ações diagnósticas, preventivas e terapêuticas eficazes”(p. 33). Assunção-Matos (2016) informa que na década de 70 erigiu-se uma crise estrutural no capitalismo direcionando o mercado de trabalho para novos patamares e um novo modo de se relacionar: mercado de trabalho versus trabalhador/saúde mental. De acordo com Canguilhem (2009) essa relação faz parte da essência do sujeito (que trabalha/que esta na vida) uma vez que ele considera que para experienciar uma vida saudável devemos sempre estar em movimento e em oposição a inércia, sendo que a condição para os sujeitos permanecerem saudáveis é quando colocados em desafios e instigados a elevar sua capacidade de criação e de superar-se a si mesmo.
Não pensar a questão do bem-estar e não identificar possíveis riscos a saúde física e psicológica dos trabalhadores, muitas vezes provocadas por agentes estressores, coloca diretamente em risco a saúde metal destes sujeitos, pois a tendência é que situações isoladas quando não tratadas iniciam uma sequência de problemas que gera um ciclo viciosos nas empresas e pode desencadear uma série ocorrências provocando um adoecimento generalizado.
Procedimento
Um estudo piloto foi realizado inicialmente no Brasil e os pesquisados a priori não tiveram nenhum tipo de dificuldade em responder ao questionário. O questionário, juntamente com informações sobre o projeto, confidencialidade e consentimento, foi distribuído e via papel e eletronicamente através da plataforma Survey Monkey. A publicização dos dados que ocorrerá em Março de 2020, quando ocorrerá a finalização da análise dos dados de Portugal. Em Portugal foi distribuído somente eletronicamente. A distribuição eletrônica ocorreu por meios de e-mail e visitas às empresas, com os mesmos parâmetros aplicados no Brasil.
Os trabalhadores que estavam aptos a responder ao questionário trabalham em uma gama de diferentes profissões, pois este item não era excludente. Como recorte excludente, optamos por remover da pesquisa os trabalhadores que não exercessem uma função realizada por um trabalhador com vínculo direto, pois isso dificultaria, posteriormente, correlacionar os dois países. Os itens includentes da pesquisa de campo foram: ter o tipo de contrato como trabalhador terceirizado (Brasil) e ter o tipo de contrato como trabalhador temporário de agência (TAW) em Portugal (é o trabalhador “terceirizado” de Portugal), possuir como principal atividade/função algum tipo de trabalho administrativo e estar disponível para responder ao questionário.
A amostra consistiu-se de 183 trabalhadores brasileiros, nas 5 regiões do país e a taxa de resposta dos questionários validados foi de 99,9%, sendo que o vínculo dos respondentes era trabalhador com contrato terceirizado. A outra parte amostra esta sendo realizada em Portugal na cidade de Lisboa e adjacências. O Comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro concedeu uma aprovação prévia ao início das entrevistas para realizamos o estudo. Como ainda não finalizamos a pesquisa em portugal, iremos trazer os primeiros apontamentos da análise brasileira.
Os números mais significativos: Sexualidade - 122 (66,7%) dos entrevistados se identificaram como mulheres, 57 ( 31,1%) se identificaram como homens, com media de idade (M= 31,48). Quanto a escolaridade - 55 (30,1%) dos entrevistados tinham formação superior completa, 53 (29%) tinham pós-graduação completa, 49 (26,8%) possuíam formação superior interrompido ou cursando. Quanto a área de atuação dos entrevistados 139 (76%) trabalham com Serviços Administrativos, 24 (13,1%) responderam outros, 8 (4,4%) trabalham em Recursos Humanos. Quando perguntamos sobre qual cargo o entrevistado ocupava em sua empresa: 108 (59%) dos entrevistados responderam trabalhar na função operacional, 30 (16,4%) possuíam cargo técnico.
Medidas
Discriminação : Para medir as percepções de discriminação contra trabalhadores terceirizados (Brasil) e trabalhadores contingentes de agência (Portugal), foram utilizados quatro itens de uma escala adaptada de ambiente de trabalho Enoksen (2016). Esses itens diziam respeito às seguintes afirmações: Item 01-No meu local de trabalho, há pouco contato entre trabalhadores temporários / outsourcing e trabalhadores com contrato direto com a empresa. Item 02 Sinto-me excluído de algumas das atividades da empresa (ex: festa de final de ano, uso do refeitório) que são exclusivas para trabalhadores contratados diretamente por esta empresa. Item 03- Os trabalhadores temporários / outsourcing possuem muitas desvantagens em relação aos trabalhadores efetivos / contratados diretamente e quando há distribuição de trabalho, os trabalhadores temporários / outsourcing ficam com o pior tipo de trabalho. Item 04- Os trabalhadores temporários / outsourcing recebem um tratamento diferente (pior) do que os efetivos / contratados diretamente.
Os quatro itens mediram as percepções dos funcionários em relação à exclusão e discriminação de empregados com outro modelo de contrato, ou seja, empregados terceirizados ou empregados temporários de agência. Os entrevistados foram solicitados a avaliar cada item em uma escala Likert de cinco pontos variando de 1 discordo totalmente a 5 como concordo totalmente. No presente estudo, o alfa de Cronbach na amostra do Brasil para a escala de discriminação foi de 0.79.
Ansiedade e Depressão: Neste estudo utilizamos a versão de 28 itens e será designado por sua sigla GHQ-28, criado por Goldberg, Hillier (1979) é de fácil aplicação, rápido e objetivo, sendo um questionário de auto resposta. O instrumento originalmente construído em inglês foi traduzido e validado em Espanhol, em Persa e em português de Portugal por Ribeiro et al. (2015). A pretensão deste estudo é de posteriormente obter uma validação do GHQ-28 no Brasil, visando atingir a mesma consistência alcançada em outros países, além de uma ampliação da utilização do questionário em pesquisas científicas por todo o território brasileiro, expressando o que Goldberg, Hillier (1979) disseram sobre existir uma consistência e uma linguagem neste instrumento que permite realizar estudos psicológicos interculturais.
Para medirmos a ANSIEDADE usamos os sete (07) itens desta dimensão no GHQ 28: 01- Tem-se sentido permanentemente nervoso e tenso; 02- Tem conseguido manter-se ativo e ocupado; 03- Tem levado mais tempo a fazer as tarefas normais? 04- Acha que, de um modo geral, tem trabalhado bem; 05- Sente-se satisfeito com a maneira como tem cumprido as suas tarefas; 06- Tem-se sentido útil no que faz; 07- Tem-se sentido capaz de tomar decisões. Os itens que medem a DEPRESSÃO também são sete (07): 01- Tem-se considerado uma pessoa sem valor nenhum; 02- Tem sentido que já não há nada a esperar da vida; 03- Tem sentido que a vida já não vale a pena; 04- Já pensou na hipótese de um dia vir a acabar consigo; 05- Acha que às vezes não consegue fazer nada por causa dos nervos; 06- Tem dado consigo a pensar estar morto e longe de tudo; 07-acha que a ideia de acabar com a sua vida está sempre a vir-lhe à cabeça? Na amostra do Brasil, o alfa de Cronbach para a dimensão da Ansiedade foi de 0.91 e da Depressão foi de 0.90. Podemos observar na tabela abaixo a média e o desvio padrão das análises realizadas no Brasil.
|
Média |
D.P |
Discriminação |
3,08 |
,95 |
Ansiedade |
2,18 |
,84 |
Depressão |
1,44 |
,60 |
Estrategia Analítica
Inicialmente realizamos uma análise de modelo de medida utilizando o programa AMOS 22.0, a fim de examinar nossa medição e modelo. Em seguida realizamos uma análise fatorial confirmatória (AFC). Avaliamos separadamente se o χ2 é receptivo ao tamanho da amostra, através do modelo de medida das 03 (três) variáveis do estudo: Outsourcing - VI (variável independente); Discriminação – VM (variável mediana) e o GHQ28 (Ansiedade e Depressão) VD (variável dependente).
De acordo com Byrne (2010) complementarmente examinamos o Índice de Ajuste Comparativo (CFI), o Incremental Fit Index (IFI), o Erro Quadrático Médio de Aproximação (RMSEA), comparando os modelos concorrentes através do teste do χ2. Antes de testarmos nossas hipóteses, realizamos uma análise fatorial confirmatória do nosso modelo teórico e observamos que o nosso modelo teórico se ajustou bem aos dados. No modelo de Medida da Ansiedade e Depressão com Discriminação foi realizada uma análise fatorial confirmatória (conforme tabela abaixo). Os resultados: Análise de 03 Fatores: [ χ2 (126) = 350.56, IFI =0.91, CFI =0.91, RMSEA= 0.10]; Análise 02 Fatores: [ χ2 (128) = 446.45, IFI =0.86, CFI =0.86, RMSEA= 0.12]; Análise 1 Fator: [ χ2 (129) = 648.0, IFI =0.78, CFI =0.78, RMSEA= 0.15].
No modelo estrutural, podemos comparar os fatores entre si na tabela abaixo:
Analisando o modelo de medida das três variáveis e realizando a análise fatorial confirmatória tivemos o seguinte cenário: Modelo de Medida GHQ28: [χ2 (333) = 795.17, IFI =0.89, CFI =0.89, RMSEA= 0.09]; Modelo de Medida Discriminação: [ χ2 (442) = 937,55, IFI =0.89, CFI =0.89, RMSEA= 0.08], ambos demonstrado na tabela abaixo. Nas estatísticas descritivas tivemos para a Discriminação a média de 3.08 e o Desvio padrão de 0.95; para a Ansiedade a média foi de 2.18 e o Desvio padrão de 0.84 e para a Depressão a média foi de 1.44 e o Desvio padrão de 0.60.
Diante das análises, provou-se que o modelo de 03 fatores é o melhor ajustado em comparação aos demais e também podemos observar uma considerável e significativa diferença entre os χ2. Com estas análises provamos que os trabalhadores que responderam ao questionário entenderam que existia diferença entre as 03 variáveis, ou seja, Discriminação, Ansiedade e Depressão são de fato itens diferentes. Discriminação para Ansiedade .35**; Discriminação para Depressão .22*. Com estes resultados averiguasse que a discriminação tem influência na depressão e na ansiedade, no entanto a ansiedade se encontra melhor ajustada perante a depressão, sendo então o modelo aceitável.
As conclusões deste estudo ainda não estão completamente elaboradas, porém, entendemos que o processo de terceirização vai muito além de um modelo de gestão e atualmente no Brasil e em Portugal tornou-se foco de discussões (i.e. dos diversos órgãos do governo, dos sindicatos, das organizações em geral e da própria população) e que atualmente a legislação brasileira e portuguesa permite brechas jurídicas sobre esta temática, portanto, propusemos promover a comparação entre os trabalhadores destes dois países, tendo como hipóteses: Hipótese 01: Há discriminação frente ao trabalhador em regime de outsourcing ou trabalhadores temporários de agência (TAW) por conta do tipo de contrato de trabalho que possuem, e tal discriminação possui relação direta com a saúde mental deste trabalhador. Hipótese 02: Realizando uma comparação entre os processos legislativos, existe algo que auxilia no processo de adoecimento ou saúde destes trabalhadores?
As hipoteses estão sendo testadas afim de produzirem conclusões mais assertuvas acerca da temática. Segundo Eichhorst (2014) acredita-se que o trabalho contingente quando ocorre em países onde a legislação trabalhista não consegue preservar as condições de trabalho pode gerar graves consequências para o mercado de trabalho. Segundo o autor mudança de comportamento na contratação é um processo que vem sofrendo transformação por parte das empresas e também por parte dos trabalhadores, o autor adverte sobre a importância dos processos de recrutamento e seleção e de treinamentos destes trabalhadores, pois uma contratação de perfil assertiva pode gerar sucesso do trabalhador na empresa e consequentemente altera o seu modal de contrato.
Assim, uma das principais consequências da terceirização é a precarização do trabalho, que se apresenta para os trabalhadores de diversas formas; desde a precarização da infraestrutura do local de trabalho, salários e benefícios, até a precarização da forma como as pessoas se relacionam. De acordo com Assunção-Matos (2016) tais processos resultaram na redução da proteção aos trabalhadores e, com isso, retrocesso social, que possibilitou às empresas evitar e desabilitar a observância dos direitos dos trabalhadores. Tal desabilitação demanda a promulgação de leis que flexibilizem os direitos trabalhistas consolidados. Entram em cena, assim, os movimentos e as estratégias de promoção, no campo legal, da flexibilização desses direitos.
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[1] Para Antunes (2009) os laços ético-solidários se dão sobre essas novas formas de capturas do modo de trabalhar (individualismo, concorrência, falta de tempo) e que irão enfraquecer o modo de se organizar e se relacionar da classe-que-vive-do-trabalho.
[2] Gera-se um processo ininterrupto de exclusão econômica para com grande parte dos sujeitos que vive do trabalho, os excluindo não somente como mão de obra mas também como consumidores. Contudo, o capitalismo necessita que estes sujeitos coexistam em um mercado informal, pois a informalidade também esta servindo ao capital quando retorna esses sujeitos de certa maneira para o consumo e produz uma demanda de mão de obra excedente valorizando a regra do capita (WISE; RODRÍGUEZ, 2009).
[3] The Agency Work Industry Around the World. Economic Report, 3- 59.
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